Clipping Banco Central (2020-10-15)

(Antfer) #1

Modos de moderar o desmedido


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Cotidiano
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Sérgio Rodrigues


O que a etimologia nos ensina sobre a lenda do
Bolsonaro moderado


A história da palavra moderação esclarece uma ou duas
coisas sobre a lenda do Bolsonaro moderado, que tem
convencido muitos analistas políticos.


É inegável que os enroscos jurídico-policiais da família
forçaram Jair a maneirar sua conduta. O presidente está
mais pragmático, tem feito menos bullying com o país,
retirou poder da seita olavista e o deu ao centrão. Mas
isso é moderação?


É claro que a palavra, em estado de dicionário, pode
caber. Moderar-se é cultivar a contenção e a prudência,
tomar o caminho do meio. Uma das acepções do
substantivo no Houaiss é "afastamento de todo
excesso", ou seja, de todo extremo.


Se o centrão padece de um claro excesso â?"o de
desfaçatez para explorar como parasita as fragilidades
do sistema políticoâ?", convém reconhecer que ele é, já


no nome, o oposto do extremo, uma espécie de
"normalidade" brasileira. Isso quer dizer que Bolsonaro
se moderou?

Aí entra a etimologia. Ao jogar uma luz diferente sobre a
palavra, desvendando seus meandros históricos, ela
sopra em nosso ouvido que Bolsonaro não se moderou
coisa nenhuma.

Como moda, modernidade e acomodação, moderação é
uma palavra da vasta dinastia vocabular fundada pelo
substantivo latino "modus". Nosso bom e velho modo,
certo? Sim, mas não tão depressa.

O primeiro sentido de "modus" era o de medida,
tamanho, extensão, quantidade. Esse sentido, que
quase não se transferiu para o português modo, foi o
que deu origem a "moderationis", a arte de encontrar a
medida justa.

Como foi que a expansão no sentido de "modus" levou
a palavra, já no latim, a viajar da quantidade à
qualidade, do tamanho ao jeito â?"da medida ao modo?

Reconstituir velhas dinâmicas enterradas na história das
palavras vai sempre comportar uma dose de risco, ou
talvez seja melhor chamar de poesia. Eu aposto na ideia
de ritmo.

Um dos poucos sentidos quantitativos que a palavra
portuguesa modo herdou de "modus" foi justamente o
musical ("padrão rítmico constante numa composição").

Pensando bem, o jeito não é sempre um ritmo? Quantas
batidas de coração, palavras, piscadas, tropeços
verbais. Quantas inspirações, expirações, gotas de suor
no buço. Quantos silêncios, quantos mortos de Covid
por dia, quantos hectares queimados por hora.

O modo, o estilo â?"que alguém já disse ser o
homemâ?" sempre incluirá uma ideia de medida. O que
a história da palavra desvenda nesse caso é o
parentesco da moderação com uma maneira, um jeitão,
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