Clipping Banco Central (2020-10-15)

(Antfer) #1

CARLOS ALBERTO SARDENBERG - A corte brasiliense


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Opinião
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Algum tempo atrás, um ministro do STF me ligou para
reclamar de uma coluna em que eu criticava o fato de
ele (ministro) ter dado um habeas corpus a uma pessoa
de suas relações. Não cito o nome do ministro porque
isso foi solicitado por ele. Mas o teor da conversa não
está incluído nessa restrição.


Foi assim: o ministro começou perguntando se eu
duvidava da isenção dele naquele julgamento. Respondí
que o ponto não era exatamente isso : havendo ou não
dúvidas, para mim estava claro que nem ele nem
qualquer outro ministro poderia julgar pessoas com que
mantinha relações sociais.


O ministro respondeu que isso seria praticamente
impossível em Brasília. Lá, acrescentou, todo mundo
que gira em torno das diversas esferas do poder se
conhece. Disse, inclusive, que mantinha ótimas relações
com políticos influentes.


E me perguntou: você acha que eu não posso julgar um
deputado ou senador com quem troco idéias, e até
jantamos juntos?


Respondí : pois acho que não devia de jeito nenhum.
Então o juiz partilha jantar e bons vinhos com um
parlamentar e, no dia seguinte, julga se ele recebeu
corrupção?

Logicamente, voltamos ao tema da isenção, o ministro
garantindo que era capaz de separar a função de juiz de
suas atividades sociais e políticas.

Estranhei a questão das atividades políticas. O ministro
então comentou que frequentemente participava de
negociações com membros de outras esferas de poder
para administrar crises, apagar incêndios, encaminhar
projetos de lei e emendas constitucionais. Tudo
absolutamente normal, sustentava com vigor.

Na verdade, isso é mesmo normal na corte brasiliense.
Diversos episódios estão acontecendo neste exato
momento. O então presidente do STF, Dias Toffoli,
recebe para uma pizza o presidente da República, que é
investigado naquela corte. Sendo que o próprio Toffoli
havia poucos dias dera uma decisão favorável a um dos
filhos de Bolsonaro.

A indicação de ministros para as cortes superiores é
uma manobra política. Não que não existam bons
juízes, mas o aspirante a cargos superiores tem que
fazer política, angariar apoio entre deputados,
senadores, líderes partidários e do governo, membros
das cortes às quais concorre e, claro, tomar uma
tubaína com o presidente da República. (Antes, era
tomar uma cerveja com Bolsonaro, mas tubaína cai
melhor entre religiosos e o povão. Pelo menos, eles
acharam isso.) Também é verdade que juízes, uma vez
entronizados no cargo, mudam as posições que haviam
assumido durante o processo de indicação. Às vezes, é
traição. Outras vezes, a força dos fatos e o andamento
dos processos obrigam o juiz a abandonar uma
promessa. Aconteceu, por exemplo, no caso do
mensalão.

Quando começou a aparecer, quase todo mundo em
Brasília, incluindo jornalistas, garantia que não
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