Clipping Banco Central (2020-10-15)

(Antfer) #1

Crônica da Cidade


Banco Central do Brasil

Correio Braziliense/Nacional - Cidades
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Severino Francisco


Professorde loucura


Fui professor em uma faculdadeparticular durante oito
anos. A cadainício de semestre, eu sempre pediaaos
alunos que escrevessem uma crônica. Era uma forma
de conhecer osalunos. Porque a crônica revela o olhar,a
sensibilidade e a alma.


Eu acho engraçados os planos dereforma de ensino no
Brasil, que pretendem deixar o professor de fora. Éalgo
de uma estupidez inominável. Oprofessor é o centro da
educação, nãoimporta que o mundo seja mediadopelos
computadores. Não admira queo nosso país ocupe os
últimos lugaresno ranking da educação.


Sem investimento na formação e naremuneração do
professor, qualquerprojeto pedagógico dará com os
burrosn’água. O mais competente mestre quetive
sempre perguntava: “Vocês sabempor que eu escolhi


ser professor?” Ninguém conseguia imaginar a razão,
masele respondia: “É porque eu gosto de estudar.
Professor bom é o professor quegosta de estudar”.

Só com mestres que tenham a obsessão de aprender
incessantemente poderemos superar o estado atual de
ignorância triunfante, que nos envergonha. Aoser
professor, tentei praticar o conceitode educação
formulado pelo mestre. Segundo ele, educação é uma
palavra quederiva do latim (educere), que
significaextrair. Logo, educar seria extrair o quehá de
melhor no outro. Nem sempre fuibem-sucedido. Mas,
algumas vezes, tiverespostas que compensaram as
frustrações, como a enviada por uma aluna:“Você me
ensinou que escrever não é umato mecânico; é um ato
espiritual”.

Certa vez, uma aluna me apresentouuma crônica muito
boa sobre um misterioso“ professor de loucura”. No
primeirodia, o professor de loucura entrou na salade
aula e começou a expor seu plano deensino. Antes de
tudo, explicou no queconsistia a disciplina da qual era
titular:“Sou professor da disciplina loucura. Deque
matéria trata disciplina?”, indagou oexcêntrico professor.

E ele mesmo respondeu: Loucuraconsiste em conhecer
as principais vertentes e fontes da cultura brasileira e
internacional, numa relação crítica. Conhecer, conviver
e tornar-se íntimo dospersonagens mais brilhantes da
humanidade, deixar de ser maria-vai-com-as outras e
tornar-se um ser singular. Adquirir autonomia de estudo
e tornar-seum verdadeiro autodidata. Extrair o quehavia
de melhor em cada um”.

Os alunos ouviram, mas ao tomarciência do plano de
ensino, informaramao quixotesco personagem:
“Professor,acho que o senhor se enganou e entrouna
sala errada. Ninguém aqui está interessado nesta
disciplina”.
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