Clipping Banco Central (2020-10-15)

(Antfer) #1

Ignorância como ativo eleitoral


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Notas e Informações
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Não é somente a corrupção que degrada a política,
como querem fazer crer os oportunistas que se
travestiram de cruzados anticorrupção para alcançar o
poder nas eleições passadas. A política também perde
o sentido quando a ignorância é elevada à categoria de
ativo eleitoral.


Tome-se como exemplo a declaração de Celso
Russomanno, candidato à Prefeitura de São Paulo,
segundo a qual “não temos uma quantidade imensa de
moradores de rua com problema de covid” porque
“talvez eles sejam mais resistentes que a gente porque
convivem o tempo todo nas ruas, não têm como tomar
banho todos os dias, et cetera e tal”.


Seria um erro tratar essa declaração grotesca como
simples anedota de campanha eleitoral, como tantas
que períodos estranhos como esse costumam produzir.
É, ao contrário, fortemente simbólica do pesadelo que o
País atravessa, entregue em parte a políticos que
deliberadamente tratam os eleitores como néscios e,
pasme o leitor, ainda ganham votos com isso.


Ao classificar os pobres como uma espécie diferente,
“mais resistente que a gente” porque vive nas ruas e
não toma banho, o candidato Celso Russomanno nada
mais fez do que imitar seu padrinho, o presidente Jair
Bolsonaro – que não faz muito tempo, também a
propósito da pandemia, disse que “o brasileiro tem que
ser estudado” porque “ele não pega nada: você vê o
cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo?, e
não acontece nada com ele”.

Na ânsia de criticar as medidas de combate à
pandemia, sobretudo o isolamento social, adotadas
pelos governos estaduais e prefeituras, os bolsonaristas
escancaram seu darwinismo social e fazem o elogio do
obscurantismo, o que deveria escandalizar os cidadãos
brasileiros e custar votos. Mas não é isso o que
acontece: a popularidade de Bolsonaro vem subindo e o
candidato Celso Russomanno está liderando as
pesquisas.

Esse aparente sucesso da impostura como capital
eleitoral pode sugerir que candidatos aumentarão suas
chances de vitória se deliberadamente investirem em
embustes grosseiros, impressão que tende a multiplicar
as candidaturas sustentadas por discursos fraudulentos.
Como resultado, a campanha eleitoral, que
normalmente já é repleta de promessas grandiloquentes
e distorções da realidade, corre o risco de ser conduzida
para o terreno da farsa absoluta – em que opiniões
absurdas como a do candidato Russomanno,
chanceladas pelo presidente Bolsonaro, ganham mais
valor que os argumentos embasados em fatos
comprovados. Isso nada tem a ver com política: é, ao
contrário, sua completa negação, pois não é possível
falar em política sem que haja uma realidade
compartilhada por todos, a partir da qual se discutirão
as soluções concretas para os problemas da
comunidade.
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