18 VISÃO 15 OUTUBRO 2020
*Editor-executivo
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CONTRA A APARIÇÃO DO VÍRUS
De um milhão para menos de seis
mil: nos seus tempos mais áureos, o
Santuário de Fátima chegou a receber
perto de um milhão de peregrinos
- e, nas visitas papais, o normal foi
sempre haver uma multidão de mais
de meio milhão de pessoas. Neste 12
para 13 de outubro, com oito entradas
rigorosamente controladas e uma
pressão de visitantes muito inferior à
esperada, o número máximo de seis
mil pessoas nem sequer foi atingido.
A Igreja Católica vive tempos inéditos
que, noutra época, seriam rapidamente
identificados como “sinais do fim
do mundo”. No auge da pandemia e
do confinamento, as missas foram
suspensas e os templos fecharam. Nos
últimos dois mil anos, foi a primeira
vez que aconteceu. A medida, decretada
por Roma e pouco contestada pela
hierarquia, foi bastante incompreendida
por vários setores das bases, sobretudo
os mais conservadores. Nas muitas
pestes registadas ao longo dos últimos
mil anos, o catolicismo ampliara a
sua esfera de influência, atribuindo
ao castigo divino, pelos erros e pelos
pecados dos homens, a eclosão de
cataclismos sanitários que dizimavam,
ciclicamente, enormes porções da
população europeia. Durante os surtos
de peste negra, sobretudo no final da
Idade Média, os padres foram a linha
da frente no combate à pandemia,
socorrendo doentes e confortando
famílias. Por isso, devido à exposição,
o clero – o baixo clero, entenda-
se... – foi, historicamente, uma das
classes mais atingidas pelos contágios.
Sinal dos tempos, e da laicização
dos poderes, desta vez, a Covid-
fechou igrejas e fez desaparecer
os seus pastores, embora alguns
tenham recorrido ao teletrabalho, na
transmissão de celebrações religiosas
através de ferramentas como o Zoom.
Compreendendo mal a tolerância dada
a manifestações como a da CGTP,
no 1º de Maio, e a Festa do Avante!
(ambas, ainda por cima, organizadas
pelos “rivais ideológicos” comunistas...),
os católicos deram mostras de
impaciência, exigindo tratamento igual.
A 13 de setembro, uma multidão não
esperada invadiu Fátima, expondo as
falhas de organização da Igreja, em
contraste com o cumprimento de
regras sanitárias no 1º de Maio. Essa
lição terá sido interiorizada, quer pelos
fiéis, quer pela hierarquia: esta semana,
ao celebrar a última aparição de 1917,
D. José Ornelas, bispo de Setúbal e
presidente da Conferência Episcopal,
disse missa para menos de seis mil
peregrinos. A marcar o distanciamento,
os círculos desenhados na Cova da
Iria, recalcados de imagens que todos
vimos, por exemplo, na abertura de
algumas creches, eram a imagem
expressiva de uma nova ordem. E a falta
de comparência de devotos assustados
também ajudou. Em tais condições,
é possível que o vírus tenha sido
impedido de fazer a sua aparição no
Altar do Mundo.
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