Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1

34 VISÃO 15 OUTUBRO 2020


E


ERROS FLAGRANTES
Exemplos do que não devemos
fazer, segundo Gonçalo da Graça
Pereira, diretor do Centro para o
Conhecimento Animal

CÃES
Não os passear pouco ou nunca, não
lhes dar a nossa comida nem abraçá-
los, vesti-los, deixá-los sozinhos no
carro (por causa do calor), dar-lhes a
mão a cheirar, vê-los como um rival

GATOS
Não pegar neles ao colo nem lhes pôr
guizos ao pescoço, dar-lhes a nossa
comida, abraçá-los, vesti-los, frustrá-
los atrás da luz de um lazer

PAPAGAIOS
Tal como araras ou periquitos,
“precisam de estimulação cognitiva
elevadíssima, que não conseguimos
dar-lhes”. Assim sendo, “não os
deveríamos ter”, até porque gostam
mesmo é de voar.

PEIXES
“Aqueles aquários redondinhos
são uma atrocidade. Temos de
oferecer esconderijos, algas, água à
temperatura certa. É tão difícil que
mais vale não ter. Para relaxar, basta
um aquário com algas.”

HÁMSTER
Precisam de escavar, “não é pôr uma
daquelas rodinhas ridículas para
fazerem exercício”. A solo ou em grupo,
“escavam galerias, com ninho, casa de
banho e despensa”.

COELHOS
“Sendo animais sociais, como
formamos o grupo? Macho e fêmea
vão estar sempre a reproduzir-se. Dois
machos podem andar à briga. Duas
fêmeas, é mais ou menos estável.
Mas têm necessidades brutais. Não
aconselho.”

TARTARUGAS
“Aquelas tartarugueiras com as ilhotas
e a palmeirinha de plástico são uma
aberração. Elas precisam de nadar,
mas também de terra. A maioria
das pessoas não sabe que elas são
carnívoras na fase de crescimento.”

Eles correm, eles saltam, eles re-
bolam. Alegram-se assim que nos
pressentem, brincam connosco se
brincamos com eles, procuram em
nós o aconchego sempre que lhes
apetece. Leais e afetuosos, cada um
à sua maneira, ladram se são cães e
se são gatos miam, os nossos animais
de companhia preferidos. Hóspedes
de quatro patas a quem abrimos as
portas de casa e abraçamos, muitas
vezes, como membros da família


  • primeiro conflito de interesses,
    desde já a reter.
    Há mais de dois milhões de cães
    e de 250 mil gatos em Portugal,
    segundo os registos do SIAC (Sis-
    tema de Informação de Animais de
    Companhia), mas na realidade serão
    bem mais, sobretudo os felinos, se
    somarmos os que fogem à contabili-
    dade oficial como quem desaparece
    da vista para saciar a curiosidade. Em
    2016, um estudo da consultora inter-
    nacional GFK apontava para a exis-
    tência de seis milhões de animais de
    estimação no País (36% cães e 22%
    gatos), com presença em mais de
    metade dos lares portugueses. Tantas
    vezes, são eles a única companhia,
    terapia de vidas solitárias. Noutras,
    e então com crianças à mistura, são
    mais um para ajudar à festa.
    “Cada vez mais, as pessoas tratam
    melhor os seus animais”, nota Jorge
    Cid, bastonário da Ordem dos Médi-
    cos Veterinários e diretor do Hospi-
    tal Veterinário do Restelo, em Lisboa.
    “A nível médico, de alimentação e
    do trato, há uma evolução muito
    grande. Na medicina veterinária es-
    tamos ao nível da medicina humana:
    fazemos transplantes, ecografias,
    ressonâncias magnéticas... Se há uns


anos se optava pela eutanásia, hoje a
maioria das pessoas trata os animais
até ao fim e gasta o que for preciso.”
A abertura de hotéis, creches e
até spas também sugere um país
mais amigo dos animais, tal como
a legislação que tem vindo a ser
aprovada nos últimos anos. O abate
para controlo populacional tornou-
-se proibido e quer os maus-tratos
quer o abandono passaram a ser
considerados crimes. Nos próximos
capítulos, lê-se na versão preliminar
do Orçamento do Estado para 2021,
o Governo prevê duplicar, para 4,4
milhões de euros, a verba destinada
aos centros de recolha de animais e
às associações zoófilas, ao passo que
o PAN ambiciona a criação de uma
espécie de Serviço Nacional de Saúde
para cães e gatos e a sua ex-depu-
tada Cristina Rodrigues, agora com
estatuto de não inscrita, propõe fal-
tas justificadas no trabalho quando
for preciso dar-lhes assistência ou
em caso de luto. Até o léxico está a
mudar. Em vez de dono, agora diz-
-se detentor ou tutor, para não ferir
suscetibilidades.
Não haja dúvidas: eles são adorá-
veis e os seus direitos e bem-estar
estão na ordem do dia. E, no entanto,
aumentam os crimes contra animais
de companhia; a reprodução seletiva,
em nome de uma beleza questioná-
vel, provoca-lhes graves problemas
de saúde, assim como o desleixo nos
cuidados básicos; vê-los e tratá-los
como humanos é ir contra a natureza
deles e constitui fonte de stresse e
ansiedade; e até nas manifestações
de afeto continuamos a forçar con-
tactos de que eles não gostam. Por
maldade, negligência ou desconhe-
cimento, ainda há muito por fazer,
do nosso lado, nesta relação com os
animais de companhia.
“Um cão faz tudo para agradar ao
detentor. Tem níveis de fidelidade e
de altruísmo superiores ao nosso
egoísmo e exploramos isso”, lamenta
Ilda Gomes Rosa, médica veterinária
especializada em comportamento e
bem-estar animal. “Há cães mal-
tratados que continuam a abanar a
cauda quando o dono aparece. Estão
programados para nos darem tudo
e nós não os respeitamos.”

MIMOS DESTES, NÃO, OBRIGADO
Quando se trata de os mimar, há
donos que não poupam nas de-
monstrações de afeto. Entre festas,
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