Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1
46 VISÃO 15 OUTUBRO 2020

Há sete anos, Thomas Piketty ajudou
a colocar a desigualdade no centro
do debate económico. O economista
francês representou o braço académi-
co de uma discussão que se estendia
às ruas, com movimentos, como
o Occupy Wall Street, a tornarem
célebre a expressão “We are the 99%”.
No seu bestseller O Capital no Século
XXI, concluía que a remuneração de
capital tem avançado mais depressa
do que as economias, potenciando a
concentração de riqueza. No seu novo
livro Capital e Ideologia (Temas e
Debates), Piketty esforça-se por pro-
var que esta desigualdade não é uma
inevitabilidade, mas uma consequên-
cia de escolhas políticas. E elas podem
mudar.

O seu último livro, O Capital no
Século XXI, foi publicado em 2013
e teve uma grande influência na
forma como olhamos para a desi-
gualdade. O que mudou nestes sete
anos?
Para mim, a principal alteração foi ter
trabalhado mais, feito mais investiga-
ção, falado com mais gente e recolhi-
do mais dados. E acho que consegui
escrever um livro melhor. Tenho
agora dados sobre a evolução das
desigualdades na China, na Índia, no
Brasil, em África do Sul, e posso ofe-
recer uma perspetiva mais global do
que no livro anterior. Mas concordo
que muito aconteceu desde essa altu-
ra, e isso também se reflete no livro:
Brexit, eleição de Donald Trump, o
sucesso de [Jair] Bolsonaro, no Brasil,
e de [Narendra] Modi, na Índia, são
alguns dos desenvolvimentos mais
importantes, e não é coincidência que

H


Thomas Piketty O economista
francês tornou-se uma estrela
internacional, após a publicação
de O Capital no Século XXI

os dois países onde o agravamento da
desigualdade tem sido maior – EUA e
Reino Unido – sejam também os dois
países onde houve mais avanços neste
nacionalismo de direita. Isso ilustra
este ponto mais geral: após os anos
80-90, argumentava-se nesses países
que descer os impostos sobre os
empresários e os mais ricos iria gerar
mais inovação e mais crescimento, e
que talvez houvesse mais desigual-
dade, mas haveria tanta prosperidade
que o rendimento médio e a riqueza
média cresceriam mais. Foi isso que
Reagan disse à população norte-a-
mericana. O problema é que não
funcionou. O crescimento do PIB per
capita caiu para metade, e isso explica
a desilusão em torno da política. A
queda do comunismo criou desilusão
à esquerda, enquanto o falhanço do
reaganismo fez o mesmo à direita,
o que ajuda a explicar a ascensão de
conflitos identitários e nacionalistas.

Quando


há demasiada


desigualdade


num país, isso


cria sempre


uma grande


tensão social


e política

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