Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1

48 VISÃO 15 OUTUBRO 2020


to da equidade. Isso foi um grande
sucesso e permitiu mais prosperi-
dade. Aconteceu com grandes crises,
como a I Guerra Mundial, a Grande
Depressão, a II Guerra Mundial, a
Revolução Russa... tudo isto de-
sempenhou um papel na imposição
de grandes mudanças nas políticas
fiscais e sociais, bem como no sistema
de educação, o que tornou possível
maior igualdade e mais prosperidade.
Acho que hoje, podemos tentar usar
essas lições históricas para continuar-
mos a mover-nos nesta direção, sem
atravessarmos por crises tão grandes.
A mensagem central no meu livro é a
de que não há qualquer razão deter-
minista para termos um aumento da
desigualdade.
Por que razão me devo preocupar
com a desigualdade e não apenas
com o meu rendimento?
Em termos simples, quando há de-
masiada desigualdade num país, ela
cria sempre uma grande tensão social
e política que, no final, não é boa
para o desenvolvimento, em geral.
O desenvolvimento e o progresso
económico requerem um consenso
mínimo à volta de um nível aceitável
de desigualdade. O que não significa
igualdade completa, é claro. Signi-

fica é que a desigualdade precisa de
ser justificada. Todas as sociedades
humanas precisam de encontrar
alguma narrativa, alguma justificação,
para a forma como o rendimento e
a riqueza são distribuídos. A grande
questão, hoje, é que, se olharmos para
a distribuição da riqueza, os 50% na
base, num país como Portugal ou
França, quase não têm nada. Detêm
menos de 5% da riqueza, enquanto
uma pequena percentagem no topo
tem grande parte da riqueza, princi-
palmente nos EUA. Esta posição dos
50% [mais pobres] não é boa, quer
de uma perspetiva de justiça social
quer de eficiência económica. Estas
pessoas podem ter boas ideias para
criar uma empresa, podem querer
desenvolver projetos diferentes na
sua vida. Se não tens nada teu, estás
numa posição muito complicada para
o conseguir fazer.
Historicamente, onde estamos
nós, agora, olhando para os últi-
mos 200 anos de desigualdade?
No final do século XIX e em inícios
do século XX, os 10% mais ricos das
sociedades europeias teriam entre
80% e 90% da riqueza total. Hoje
em dia, têm apenas 60%, houve um
declínio. Mas do ponto de vista dos

Domar o cavalo


do capitalismo


Thomas Piketty conseguiu arrancar
o debate da desigualdade dos
corredores da Academia para
os jornais e televisões, com a
publicação de O Capital no Século
XXI, em 2013. Embora seja uma
obra bastante técnica, chegou
ao público não especializado e,
em conjunto com ações de rua,
como o Occupy Wall Street, foi
responsável pela dinamização
do debate sobre a desigualdade.
Mais do que a equação r>g que
ele celebrou – e que ilustra que o
retorno de capital tem sido superior
ao crescimento –, o livro mostrou
o poder político de encontrar uma
nova narrativa económica, com
uma mensagem simples e popular.
Agora, Piketty procura que as
suas ideias cheguem ainda a mais
gente com o lançamento de um
documentário sobre o livro, que
se estreia neste mês nas salas de
cinema portuguesas. Realizado pelo
neozelandês Justin Pemberton,
o filme conta-nos a história dos
últimos 250 anos de desigualdades
e pinta o atual modelo da economia
mundial como um capitalismo em
esteroides e a aproximar-se do fim
de ciclo. “O capitalismo tem de ser
domado como um cavalo selvagem”,
argumenta no documentário.
Após um período em que isso
terá acontecido, no pós-II Guerra
Mundial, o mundo regressou a
uma tendência de concentração da
riqueza. A mensagem do filme não
é muito diferente da de qualquer
texto ou entrevista de Piketty,
mas a forma como a transmite,
utilizando dramatizações históricas,
vozes de outros economistas
(Stiglitz, Fukuyama), excertos de
literatura e clipes de cultura pop
(de Jane Austen aos Simpsons),
revela um desejo de chegar a um
público mainstream. Economistas
de esquerda como Piketty
reconhecem hoje que perderam a
batalha intelectual dos últimos 40
anos. Este é mais um esforço para
tentarem recuperar o controlo da
narrativa.

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