Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1
Sam Cane O fardo do grande capitão
Só há uma personalidade a quem os neozelandeses exigem maior
responsabilidade do que a Jacinda Ardern: o líder da seleção de râguebi

Samuel Cane andou
anos a fazer prova do
seu carácter: ambicioso
e determinado mas
dialogante para ser capaz
de ouvir os que estão à
sua volta, reconhecer os
erros e gerir os interesses
e os egos dos que com
ele trabalham. Em certa
medida, também foi
o que aconteceu com
Jacinda Ardern, até se
tornar chefe do Governo
neozelandês. Só que
a responsabilidade de

Sam enquanto capitão
dos All Blacks, a seleção
nacional de râguebi, é
ainda mais complicada,
porque os habitantes do
arquipélago encaram
esta modalidade
como uma religião. O
jogador, descendente de
emigrantes holandeses,
tem o dever sagrado
de comandar uma
equipa que deve ganhar
sempre, sob pena de
inspirar as críticas mais
injustas, visto que as

derrotas interpretam-se
demasiadas vezes como
humilhações. Aos 28
anos, o número 7 e flanker
dos All Blacks tem sabido
lidar com a pressão do
cargo, a exemplo do que
sucede com a primeira-
ministra. Não é por acaso
que ele foi das poucas
personalidades de fora
da política que ousaram
dizer que Jacinda não
precisava de ter imposto
medidas tão restritivas
durante a pandemia.

15 OUTUBRO 2020 VISÃO 55

que resultaram cinco mortos. Um ba-
lanço só possível devido às criteriosas
medidas adotadas pelo Executivo de
Wellington. A 3 de fevereiro, à cautela
e face às notícias sobre o surto na ci-
dade de Wuhan, impediu a entrada de
quaisquer viajantes oriundos da China
ou que tivessem feito escala no anti-
go Império do Meio. A única exceção
eram os neozelandeses e mesmo esses
passaram a cumprir uma quarentena
obrigatória de 14 dias. No final desse
mês é registado o primeiro paciente
positivo com SARS-CoV-2, uma pes-
soa que estivera no Irão. Horas depois,
Jacinda e a conselheira científica, a
bioquímica britânica Juliet Gerrard,
chegam a acordo sobre a necessida-
de de fechar as fronteiras a todos os
Estados onde a doença alastrava de
forma incontrolada. Já no início de
março, a primeira-ministra sublinha
a necessidade de tais medidas e passa
depois a repetir, nas suas conferências
de imprensa e alocuções quase diárias

através do Facebook Live, que a sua
obrigação é zelar pelo “bem comum”
e que não tem de “pedir desculpa” por
fazer o seu trabalho.
Com o número de infetados a au-
mentar, o Governo de coligação li-
derado pelos trabalhistas − de que
fazem também parte os conservadores
populistas do New Zealand First (uma
Geringonça que conta ainda com o
apoio parlamentar dos Verdes) − adota
um sistema de quatro níveis de alerta
para enfrentar a pandemia, inspirado
no combate aos fogos florestais. A 25
de março, embora não existisse ainda
uma única vítima mortal, é decre-
tado o nível máximo e o país entra
em confinamento total. A estratégia
funciona e, volvidos 102 dias, Jacinda
declara que a doença pandémica está
sob controlo. Pormenor adicional: as
estatísticas da gripe sazonal − habitual
entre os meses de abril e agosto, a es-
tação fria no hemisfério sul − revelam
uma redução de 99% dos casos, o que

A FORMA COMO


O GOVERNO DE


JACINDA GERIU


A PANDEMIA


PERMITIU AINDA


REDUZIR 99%


DOS CASOS


DE GRIPE


NO PAÍS


Promessas Tal como sucedeu em
2017, a primeira-ministra diz agora
que as suas prioridades passam por
reduzir drasticamente a pobreza
infantil e garantir habitação social
a quem precisa

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