Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1

60 VISÃO 15 OUTUBRO 2020


Ricardo Salgado mal tinha tido tempo para
digerir o anúncio do fim do Banco Espírito
Santo (BES) quando recebeu, num dos seus
telemóveis, uma mensagem demolidora:
“Ricardo, será que não sentes uma enorme
vergonha e um peso horrível de ter enga-
nado, mentido e arruinado não só a tua
família como tanta outra gente? Não sentes
vergonha de ter dado cabo do nome que os
‘nossos’, com tanto trabalho, valores corretos
e acima de tudo honestidade, fizeram o ban-
co e o nome Espírito Santo? Não deves ter,
porque nem deves saber o que são valores.
Atraiçoaste o meu irmão, que era o teu maior
amigo! Mentiste, roubaste, foste um péssimo
gestor, apenas pensaste em ti com um ego e
uma prepotência desmedida! O teu avô não
merecia um neto assim! Que vergonha! A vida
encarrega-se de fazer justiça!”
O longo SMS tinha sido enviado por Ana
Espírito Santo, sua prima e irmã de José Ma-
nuel Espírito Santo, o homem que, durante
anos, comandara o Banque Privée na Suíça.
Salgado haveria de comentar com o primo
o SMS “inconcebível” que recebera de Ana,
numa conversa telefónica sobre o enterro do
BES, numa das últimas vezes que conversa-
ram, antes de se terem desavindo. Mas antes,
naquele dia 4 de agosto de 2014, Salgado
não deixou a mensagem sem resposta: “Ana,
lamento que não hesite em questionar tudo
o que fiz ao longo de uma vida de trabalho
e de reconstrução do que tínhamos perdido,
no momento em que enfrento dificuldades
e sou acusado precisamente de ter procu-
rado salvar as empresas do GES que nunca
administrei. Do que ontem fui acusado foi
de alegadamente ter ajudado o grupo contra
as instruções do Banco de Portugal. Tenho
estado em silêncio e não me tenho de-
fendido para preservar a família.” O
ex-presidente do BES continuou,
deixando um aviso: “Depois do seu
SMS, chega. Quero avisá-la de que


não deixarei de agir e explicar as razões pelas
quais nos encontramos na situação em que
estamos. A sua mensagem, a linguagem que
usa e o carácter que revelam têm o mérito
de me libertar de qualquer dever de lealdade
para consigo e os seus filhos.”
Naquele verão quente de 2014, o que não
faltavam eram desaires na vida de Ricardo
Salgado e dos seus aliados. Uns dias depois,
a 7 de agosto, eram 22h44 quando pegou
no telefone e ligou a Henrique Granadeiro,
que se demitira de presidente do conselho
de administração da Portugal Telecom (PT),
na sequência das revelações sobre os quase
900 milhões de euros que a operadora in-
vestira em dívida do Grupo Espírito Santo
(GES). Salgado disse-lhe que “tinha pena” e
que lamentava que estivesse a ser “o bombo
da festa”. Granadeiro desvalorizou: que não
pensasse nisso, tinha sido pressionado a sair
“por pessoas ligadas ao Bava” [Zeinal Bava,
ex-presidente executivo da PT].

“ESTAMOS FEITOS”
Nesse momento, o telefone passou para Maria
João, mulher de Ricardo Salgado. O desespero
tinha tomado conta da família. Dizendo-se
“muito triste com tudo”, a companheira de
Salgado desabafou: “Estamos feitos.” Gra-
nadeiro pediu-lhe que não desanimasse,
enquanto deixou também os seus desabafos:
nunca vira “assassinatos tão cruéis”. Quem
diria. “Uma vida cheia de sacrifícios e ter este
fim de carreira tão injusto”, lamentou.
Cinco dias depois, Salgado voltou a ligar
para o antigo chairman da PT. Furioso com
as últimas notícias e por estar a passar por
“mentiroso” na Imprensa, queria saber se as
operações de tesouraria da PT no GES cons-
tavam do prospeto do aumento de capital da
Oi. Granadeiro explica que o papel mostrava
o valor global das aplicações mas não discri-
minava que o GES era a contraparte. Salgado
comenta que “isso é chato” e Granadeiro
aproveita para lançar mais farpas a Zeinal
Bava, a quem atribui a fuga de emails internos
para a Imprensa: agora andava “a chorar”, a
dizer que nada sabia. Salgado encerra assim a
conversa: “Bava não pode jurar que não sabia.”
Estes telefonemas e SMS são apenas qua-
tro entre centenas que constam do processo
BES, no qual Ricardo Salgado e outros 24
arguidos estão acusados de crimes que te-
rão conduzido à queda do banco (só Ricar-
do Salgado responde por 65 crimes). Mas a
equipa que tem conduzido as investigações
ao chamado Universo Espírito Santo só tem
estas conversas por sorte, já que o processo
BES ainda não existia quando elas ocorreram.
Os registos telefónicos dos primeiros dias
de Ricardo Salgado depois de deixar de
ser presidente do BES, e depois de o BES
mudar de nome, só estão gravados porque

Granadeiro
diz que foi
pressionado
a sair da PT
por pessoas
“ligadas ao Bava”.
Salgado passa o
telefone à mulher,
Maria João,
que exclama:
“Estamos feitos.”
Granadeiro diz
que nunca viu
“assassinatos
tão cruéis”,
“vida cheia de
sacrifícios e
ter este fim
de carreira tão
injusto”.
07/08/2014

Salgado liga
de novo a
Granadeiro.
Ex-chairman
da PT revela que
Zeinal Bava agora
“anda a chorar’,
a dizer que nada
sabia. Salgado
diz que Bava “não
pode jurar que
não sabia”.
12/08/2014

2020

sto de 2014 , Salgado
m sem resposta: “Ana,
te em questionar tudo
uma vida de trabalho
que tínhamos perdido,
enfrento dificuldades
amente de ter procu-
as do GES que nunca
ontem fui acusado foi
udado o grupo contra
co de Portugal. Tenho
não me tenho de-
ar a família.” O
S continuou,
epois do seu
sá-la de que

dizer que nada sabia. Salgado
conversa: “Bava não pode jura
Estes telefonemas e SMS
tro entre centenas que const
BES, no qual Ricardo Salga
arguidos estão acusados de
rão conduzido à queda do b
do Salgado responde por 6 5
equipa que tem conduzido
ao chamado Universo Espíri
estas conversas por sorte, já
BES ainda não existia quando
Os registos telefónicos dos
de Ricardo Salgado depo
ser presidente do BES, e d
mudar de nome, só estão
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