Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1
15 OUTUBRO 2020 VISÃO 61

o banqueiro estava sob escuta na Operação
Monte Branco. Salgado foi constituído argui-
do nesse processo, em julho de 2014 (o pri-
meiro de quatro em que foi interrogado, antes
do BES, Operação Marquês e caso EDP), mas
o caso que começou por investigar uma enor-
me de rede de fraude fiscal e branqueamento
de capitais, com epicentro numa sociedade
suíça chamada Akoya, já estava aberto e com
escutas ativas desde 2011.
Por causa disso, Ricardo Salgado, alguns
familiares e colaboradores mais próximos
estiveram sob escuta durante mais de oito
anos, em períodos intercalados. Como numa
boa parte dessas conversas os visados falam
sobre atos de gestão do banco e do grupo,
esses registos estão a ser usados como pro-
va nos processos que investigam a queda do
BES e do GES.


“AQUELAS 16,37 MAÇÃS
JÁ VÃO A CAMINHO”
Nessas escutas, às quais a VISÃO teve acesso,
Salgado começou por ser o alvo 49232M da
Polícia Judiciária (PJ). Mais tarde, com a des-
coberta de novos equipamentos eletrónicos
que lhe pertenciam, passou também a ser o
alvo 2H451 e o alvo 67144040.
A leitura das transcrições mostra que,
desde 2011, a PJ e o Ministério Público (MP)
tinham contacto quase diário com persona-
gens que a maioria dos portugueses e uma
boa parte da família Espírito Santo só viriam
a conhecer a partir do verão de 2014, e que
são fundamentais para a compreensão dos
alegados crimes que terão causado a derro-
cada do BES. Os inspetores e o procurador
Rosário Teixeira (titular do Monte Branco)
ouviam, desde então, as conversas entre Ri-
cardo Salgado e Alexandre Cadosch, o homem
que representava a Eurofin, sociedade suíça
que, sabe-se hoje, terá sido usada durante
anos em esquemas fraudulentos de compra
e recompra de obrigações para pôr o BES a
financiar o GES. Também ouviam as dezenas
de conversas com João Alexandre Silva, o ex-
-diretor da sucursal do BES na Madeira, que
fazia a ponte para os clientes venezuelanos,
entre eles a Petróleos da Venezuela (PDVSA).
Ouviam até as conversas suficientes entre
estes dois interlocutores para desconfia-
rem que estavam a ser pagos subornos em
países da América do Sul. Como uma de 27
de janeiro de 2012, em que Ricardo Salgado
conversa com João Alexandre Silva sobre a
renovação dos investimentos da PDVSA no
BES e lhe diz que “aquelas 16,37 maçãs já,
já, já vão a caminho, tá?” – numa referência
que o Ministério Público associa, hoje, a uma
transferência de 16,37 milhões de euros da E.S.
Enterprises (empresa não documentada do
GES, o chamado saco azul) para sociedades-
-offshore tituladas por venezuelanos e com


contas abertas na sucursal do BES no Dubai.
Além de Ricardo Salgado, Rosário Teixeira
pôs sob escuta Amílcar Morais Pires, admi-
nistrador financeiro do BES, e Humberto
Coelho, o diretor do Banco Espírito Santo
no Dubai. Anos depois de terem ficado sob
escuta, os três foram acusados, em julho, no
processo 324/14, o inquérito principal do
chamado Caso BES. Outros factos continuam
a ser investigados em processos paralelos. Tal
como a Operação Monte Branco, há nove
anos sem uma conclusão.

“MANDE SAUDADES AO GRANDE CHEFE”
Se há algo que as escutas mais antigas de-
monstram bem é que, à data, o ramo não
financeiro do grupo já não estava em boa
saúde financeira, dadas as diligências de
Salgado. Em 2011 e 2012, o então todo-po-
deroso presidente do BES multiplicava-se
em contactos com possíveis investidores, da
Venezuela a Abu Dhabi e de Angola à China,
já então se esforçava para vender a Escom,
a empresa do GES que terá intermediado a
compra de dois submarinos, e até a Riofor-
te, o principal pilar do ramo não financeiro
do GES, que integrava, entre outros ativos,
os hotéis Tivoli. E já ia pedindo para os seus
funcionários ocultarem das apresentações os
resultados negativos sobre estas empresas.
Salgado e José Maria Ricciardi ainda se
entendiam como primos quando, a 1 de fe-
vereiro de 2012, o então presidente do BES
lhe ligou a comunicar que havia “chineses
interessados no Tivoli” e “eventualmente na
Escom”, e que precisava de alguém do BESI
para tentar vender a Rioforte na China. Foi
nesta altura que o Ministério Público de-
tetou suspeitas de tráfico de influência nos
processos de privatização da EDP e da REN,
suspeitas que levariam a buscas na casa de
José Maria Ricciardi, em Cascais, no final
desse ano.
Algumas dessas conversas suspeitas cons-
tam agora no processo BES. A 30 de janeiro
de 2012, Salgado ligou ao líder do BESI para
saber se já tinha tido “notícias do Mexia”. Ric-
ciardi respondeu que apenas teriam resposta
no dia 15 e que só o valor do financiamento é
que estava em questão – o resto estava tudo
aceite. Salgado queria que o financiamento
“não fosse muito alterado” e o primo des-
cansava-o, dizendo-lhe que já sabia qual era
“o valor da proposta”, que “António [Mexia]”
lhe tinha “confidenciado” e que iam falar
“com aquela mais alta instância”. Dois dias
depois, Ricciardi comunicava ao primo que
o assunto REN estivera “complicado”, mas
tinha ficado resolvido com a alteração dos
estatutos da empresa.
As perspetivas de negócio em Angola tam-
bém não saíam dos horizontes de Ricardo
Salgado, a ponto de ter passado vários dias

Nuno
Vasconcellos diz
à secretária de
Salgado que quer
ir dar um abraço
ao ex-presidente
do BES: “Eu nunca
falo com ele por
telefone.”
21/07/2014

“Ricardo, será
que não sentes
uma enorme
vergonha? (...)
Atraiçoaste o
meu irmão, que
era o teu maior
amigo! Mentiste,
roubaste, foste
um péssimo
gestor! O teu avô
não merecia um
neto assim!”
SMS de Ana Espírito Santo,
a 4/8/2014

“Ana, (...) a sua
mensagem e o
carácter que reve-
la têm o mérito
de me libertar de
qualquer dever
de lealdade para
consigo e os seus
filhos.”
Resposta de Ricardo Salgado,
a 4/8/2014
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