Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1
15 OUTUBRO 2020 VISÃO 63

recorrente para os ex-funcionários do banco,
que viram grande parte das suas contas con-
geladas naquela época. Em novembro de 2014,
quem escutava Isabel Almeida pôde perceber
a azáfama em que vivia, entre correrias para
a conservatória com primos, pedidos para
levantar, de uma só vez, todo o dinheiro que
tinha nas contas e todo um rol de conversas
sobre cofres. Uma das mais caricatas acon-
teceu a 5 de novembro, quando perguntou a
uma tia se não se importava de ter um cofre
na Caixa Geral de Depósitos “para guardar as
suas joias”. Ao que a tia, inocente, respondeu
que não tinha joias. Uma semana depois, a
filha perguntou-lhe o que a prima estava a
fazer em Lisboa se vivia na terra. Isabel Al-
meida irrita-se, pede-lhe para se calar e não
falar em “terras”.
Naquela altura, a PJ estava também atenta
a um francês, que viria a ser seguido e vigiado
na chegada a Portugal. Era um antigo diretor
da Espírito Santo Financial Group, chamado
Yves Morvan, que em novembro de 2014 veio
a Lisboa encontrar-se com Salgado.
Ao longo dos anos, o Ministério Público
desconfiou de várias movimentações e foi
colocando sob escuta pessoas que suspeitava
que poderiam trabalhar para Ricardo Salgado,
a movimentar dinheiro para lhe entregar ou
a tentar comprar as antigas coroas do seu
império.
Começou por Rodrigo França e por João
Poppe. Ambos tinham gerido um fundo do
BES, o primeiro fundo português em Lon-
dres. Outros alvos foram José Castella, ex-
-controller financeiro do GES (morreu em
fevereiro deste ano); João Alexandre Silva, o
ex-diretor da Sucursal Financeira Exterior
da Madeira; Paulo Murta, ex-funcionário da
Gestar, que está indiciado nos EUA por crimes
de corrupção e branqueamento de capitais
relacionados com a Venezuela; Alexandre
Barreto, ex-administrador do ES Bankers
Dubai, e Miguel Pinto Mascarenhas. O MP
apanhou conversas entre estes dois últimos
intervenientes e desconfiou que Miguel
Mascarenhas, com “relações confirmadas”
com Salgado e Sobrinho, e representante em
Portugal do grupo Safra, podia estar a servir
de intermediário de negócios, a mando de
antigos funcionários do BES.
Ao telefone, Alexandre Barreto foi apanha-
do a falar sobre um eventual negócio com a
participação da família Amorim na Galp. Em
setembro de 2017, contou a Mascarenhas que
não conseguia controlar “do lado angolano”,
porque “estava metido o amigo” de que falara
em reunião “e o embaixador”. Mais tarde, con-
tou-lhe que marcou uma reunião com Paula
Amorim, que a família estava desavinda e que
Paula e Nuno Amado queriam “apostar forte
na cortiça”. E que, “a vender”, seria a Galp.
Quem também não escapou ao radar da


investigação foi Tereza Amorim, a fiel secre-
tária de Salgado que continuou a trabalhar
com o ex-presidente do BES. Dela, foram
captadas conversas encriptadas como esta, de
setembro de 2017, em que diz que ia aconte-
cer “qualquer coisa”, que estava “a ser tratada
com muito cuidado”. As palavras foram ditas
a Patrick Monteiro de Barros, um dos mais
velhos aliados dos Espírito Santo, e estariam
relacionadas com dois homens venezuelanos.

“OUVI QUE ERAS O DONO DA COMPORTA”
Caetano Beirão da Veiga começou por se
orgulhar de ser o único membro da família
Espírito Santo a trabalhar na gestão do grupo,
depois do terramoto do verão de 2014. Mas o
Ministério Público nunca deixou de estar de
olho no então presidente da Espírito Santo
Property, sobretudo quando criou, com o aval
do Tribunal do Luxemburgo, a empresa Back
in Line, para assessorar a falência do Grupo
Espírito Santo. Também Carlos Beirão da
Veiga, seu irmão e administrador da Herdade
da Comporta, esteve vários anos sob escuta.
A 15 de maio de 2017, o empresário Pedro
Almeida ligou a informar Carlos Beirão da
Veiga de que tinha estado em reunião com o
Novo Banco para comprar os 15% do fundo
da Herdade da Comporta. Quatro dias depois,
Beirão da Veiga telefonou à sua sócia na Back
in Line, Ana Paula Alves, e contou-lhe que foi
beber café com a “tal pessoa” e que ela estava
“em jogo”, apesar de estar “farta”, que gostava
de ficar “com aquilo” mas a negociação es-
tava “a dar-lhe conta da cabeça” e não tinha
“idade para isso”. Pelo que Caetano lhe teria
sugerido paciência, enaltecendo o “grande
negócio” que tinha em vista.
Nesse mesmo dia, Bernardo Espírito Santo
ligou ao irmão de Caetano, Carlos Beirão da
Veiga, para saber de Pedro Almeida, e deixou-
-lhe um pedido: “Que o gajo não se esqueça
de nós.” Em setembro, outro conhecido co-
mentou ao telefone com o administrador da
Herdade da Comporta: “Ouvi dizer que eras o
dono da Comporta.” Beirão da Veiga hesitou,
mas acabou por contar que Pedro Almeida o
queria contratar. No dia 11 de agosto, Carlos
Beirão da Veiga ligou a Manuel Tiago Brito
e Cunha, dizendo-lhe que “toda a informa-
ção’’ fora enviada oficialmente, porque tinha
combinado com Pedro Almeida que ele não
podia estar no circuito dos emails: “Para que
não se saiba que há um membro da família
Espírito Santo no meio.”
Sem saberem que estavam a ser escutados,
tinham falado de mais. Dezenas de chamadas
seguidas em tempo real levaram o Ministério
Público a desconfiar que um dos concorrentes
estaria a ser beneficiado. A venda foi anulada
e Pedro Almeida não voltou a aparecer nos
média como o empresário que queria com-
prar a Comporta. [email protected]

Salgado liga
a José Maria
Ricciardi para
saber se este
teve notícias do
Mexia. O primo
responde que
só têm resposta
no dia 15, mas
descansa-o e
diz que sabe
qual o valor da
proposta, que
António (Mexia)
lhe confidenciou
e que iam falar
com ‘‘aquela
mais alta
instância”.
30/01/2012

Salgado pergunta
a Pedro Brito
e Cunha sobre
a venda da
Tranquilidade.
Diz-lhe que “os
da Apollo” são
“uns cabrões” e
pede-lhe para
se aguentar,
porque “há outros
interessados”.
11/08/2014
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