Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1

A


New Yorker
considerou-o
um dos “wor-
ld changers”
da década, foi
vencedor do
Prémio Galileu
2018 e os seus
livros são best-sellers internacionais.
Stefano Mancuso, professor associado
da Universidade de Florença, é um dos
maiores especialistas do mundo em
neurobiologia vegetal. O que é isso?
A ciência que estuda a inteligência
das plantas. Se por esta altura esti-
ver a revirar os olhos e a pensar – só
faltava mais esta! –, não será o único.
Os estudos de Mancuso abordam o
que durante séculos era considerado
impensável: a ideia de que as plantas
têm habilidade cognitiva. Diferente da
dos humanos e dos outros animais,
é certo, mas não necessariamente
inferior. Um trabalho com tanto de
controverso, como de absolutamente
fascinante.
Ouvi-lo, e ler os seus livros – a
maior referência é a Revolução das
Plantas, uma leitura deliciosa – é en-
trar num maravilhoso mundo vegetal
até agora desconhecido. É preciso
começar por perceber que as plan-
tas são 85% da biomassa do planeta


  • todos os animais da Terra juntos
    representam apenas 0,3 por cento. De
    um ponto de vista quantitativo, a vida
    neste planeta é verde. No entanto, a


evolução fez crescer no Homem o
que ele chama de “cegueira vegetal”.
A ideia de que, porque temos um
cérebro muito desenvolvido, somos
mais inteligentes e fortes do que
todas as outras espécies – facto que
ainda está para comprovar. A média
de vida de uma espécie na Terra é
de dois a cinco milhões de anos. O
Homo sapiens viveu apenas 300 mil
anos, escreve Mancuso. Já fomos ca-
pazes de quase destruir o nosso meio
ambiente, como podemos dizer que
somos espécies melhores ou mais
avançadas?
Mancuso explica que as plantas
são um modelo de modernidade.
“Dos materiais à autonomia ener-
gética, da capacidade de resistência
às estratégias de adaptação, desde
os primórdios que as plantas for-
necem as melhores soluções para a
maioria dos problemas que afligem a
Humanidade.” Como não se podem
movimentar – e fugir do problema
como os homens –, adaptam-se e
encontram estratégias para resolver
esses problemas. “Com o intuito de
ultrapassar os problemas relacio-
nados com a predação, as plantas
evoluíram por um caminho único e
insólito, desenvolvendo soluções de
tal modo distintas das dos animais.
São organismos tão distintos que
podiam ser extraterrestres: os animais
deslocam-se, as plantas estão imóveis;
os animais são velozes, as plantas

são lentas; os animais consomem, as
plantas produzem; os animais emitem
CO2, as plantas fixam CO2... e assim
por diante até à síntese concludente
que se traduz em dispersão versus
concentração. Qualquer função que
nos animais esteja confiada a órgãos
específicos, nas plantas está dispersa
por todo o corpo. Trata-se de uma
diferença fundamental, cujas conse-
quências são difíceis de compreender
inteiramente.”
Uma coisa é certa. A abordagem
dos humanos nunca foi a de tentar
ir longe neste entendimento, porque
procuramos replicar a nossa forma
de ser e ver o mundo, através das
nossas funções humanas. “Na prática,
o Homem procurou sempre replicar
o essencial da organização animal na
construção dos seus instrumentos.
Tudo o que o Homem projeta tende a
ter, de um modo mais ou menos evi-
dente, esta arquitetura: um cérebro
central que controla os órgãos que
piens viveu apenas 300 mil
reve Mancuso. Já fomos ca-
quase destruir o nosso meio
, como podemos dizer que
spécies melhores ou mais
s?
uso explica que as plantas
modelo de modernidade.
teriais à autonomia ener-
a capacidade de resistência
égias de adaptação, desde
órdios que as plantas for-
s melhores soluções para a
dos problemas que afligem a
dade.” Como não se podem
ntar – e fugir do problema
s homens –, adaptam-se e
am estratégias para resolver
oblemas. “Com o intuito de
sar os problemas relacio-
om a predação, as plantas
m por um caminho único e
desenvolvendo soluções de
o distintas das dos animais.
anismos tão distintos que
ser extraterrestres: os animais
m-se, as plantas estão imóveis;
mais são velozes, as plantas

66 VISÃO 15 OUTUBRO 2020

Stefano Mancuso


O maravilhoso mundo


da inteligência das plantas


Ouvi-lo – vai poder fazê-lo no VISÃO FEST – é
mergulhar numa espécie de realidade paralela que
os humanos ignoram. O professor associado da
Universidade de Florença estuda como as plantas
resolvem problemas, memorizam, comunicam e
socializam, e obriga-nos a repensar muitas das nossas
ideias feitas

VISTO DE FORA
Além de Stefano Mancuso,
o VISÃO FEST VERDE contará
com a presença de David
Wallace-Wells, autor do best-
-seller A Terra Inabitável,
e ainda de Jonathan Safran-
-Foer, autor de Comer Animais
e de Salvar o Planeta Começa
ao Pequeno-Almoço. Para a
semana, saiba mais ou em
visao.pt
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