Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1
15 OUTUBRO 2020 VISÃO 83

cinema. Além de incluir várias artes, o
cinema permitia também aquele lado
conceptual e artístico de pensar um
projeto com princípio, meio e fim, que
foi a grande aprendizagem que tive
nas Belas-Artes.
Quando está a fazer filmes,
primeiro curtas e agora esta longa,
Listen, sente-se uma atriz que está
a experimentar ser realizadora?
Não. Embora eu realize, sempre,
com uma perspetiva virada para
o trabalho dos atores. Por ter sido
atriz, certamente – mas não gosto
de falar no passado, isso fica e morre
connosco... Essa minha experiência
faz com que, ao estruturar um projeto,
eu pense como quem já esteve do
outro lado, é verdade. Quando estou
a idealizar e a escrever um filme, a
interpretação, o trabalho dos atores, é
o que guia o meu caminho, é mesmo o
mais importante. São projetos guiados
por personagens, por vidas, por
pessoas, por vivências que ali estão...
Mesmo que tudo falhe à minha volta,
há uma coisa que tem de estar lá: a
representação, a interpretação. Mas
isso não faz de mim uma atriz atrás da


câmara, não sinto nada isso. Poderia
ter estas opções no meu cinema
mesmo sem ter sido atriz.
Como surgiu a sua ida para a
London Film School, em 2010?
Candidatei-me a várias escolas em
Londres, e uma em Praga, e acabei
por entrar em todas... Mas a minha
preferida era a London Film School.
Claro que essa opção obrigou-me
a vender quase tudo e a investir o
que, de forma tão certinha, eu tinha
juntado a partir do meu trabalho
em televisão. Tenho muito que
agradecer à televisão e vou fazê-lo
sempre. Sou muito grata a tudo o
que aprendi na televisão, a quem me
dirigiu e me ensinou imenso. Lutarei
sempre por defender essas pessoas.
É o mínimo que posso fazer. Há
ideias muito generalizadas sobre o
assunto, com algum sentido ou sem
sentido nenhum, e há muitos mal-
entendidos. Há muita gente, com
muito valor, a fazer das tripas coração
para conseguir fazer coisas melhores,
gente com muito conhecimento e
muito mérito na televisão. Quando
as coisas se complicam e parece que
tudo cai por terra, ajuda-me muito o
lado prático que aprendi na televisão,
a necessidade de resolver problemas
rapidamente e de, muitas vezes,
transformar o menos em mais.
Não pensou em inscrever-se na
Escola de Cinema aqui em Lisboa?
Não... Até porque ninguém me ia
querer lá, essa é a verdade! [Risos.] Eu
só tinha uma hipótese: ir. E a minha
vida mudou radicalmente. Passou de
uma grande estabilidade, com uma
carreira sólida em curso, para dar
um passo atrás em direção a uma
adolescência que não tive, porque
comecei a trabalhar muito cedo. Foi
uma sensação fascinante e, ao mesmo
tempo, assustadora. Mas quando fui,
queria mesmo esquecer essa coisa
de andar na rua e... Bom, eu não era
propriamente o Ronaldo, mas houve
uma série de coisas que começaram
a incomodar-me. Vivi a televisão
numa fase em que ainda não havia
Instagrams nem Facebooks, mas havia
fotógrafos escondidos atrás de vasos,
passei por isso muitas vezes e não é
nenhuma brincadeira... Senti que isso
tudo começou a invadir a minha vida
de uma maneira...
A ida para Londres foi, também,
uma fuga, então...

“Listen” A primeira longa-metragem
de Ana Rocha de Sousa desenvolve-se
em torno de uma família portuguesa
emigrada em Inglaterra

“VIVI A TELEVISÃO


NUMA FASE EM QUE


AINDA NÃO HAVIA


INSTAGRAMS NEM


FACEBOOKS, MAS


HAVIA FOTÓGRAFOS


ESCONDIDOS


ATRÁS DE VASOS”

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