Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1

Sim. Mas é muito difícil obter provas,
ainda para mais para uma pessoa que
não é jornalista... Mas basta estudar
a lei para chegarmos a algumas
conclusões. As famílias nem sempre
são inocentes, como é óbvio, e isso
percebe-se muito rápido. E na sua
missão como assistentes sociais,
há muita gente a fazer o bem pelo
bem. Mas estes processos envolvem
dinheiro [subsídios às famílias que
adotam crianças retiradas às famílias
pela Segurança Social] e não tinham
de envolver. E, sobretudo, há uma
formulação na lei que me deixa
muitas reservas: as crianças devem
ser retiradas ao mínimo sinal de
risco futuro de danos emocionais ou
físicos... O que são exatamente esses
riscos de danos futuros? E são as
assistentes sociais que os avaliam? Eu
sou filha de um juiz, sei que factos são
factos, e quando entramos no campo
da avaliação do futuro parece-me
complicado...
No filme não há maniqueísmos,
bons e maus, a preto e branco, mas


a denúncia e a preocupação com a
justiça, tentando ver os lados todos.
Provavelmente, isso vem do meu
pai... Acho que a mesma realidade, os
mesmos factos, pode conter várias
verdades, todos podem ter a sua
razão. E tentei mostrar isso com este
filme. A Segurança Social tem razão,
obviamente; no entanto, na sua razão,
comete erros. Os pais também têm
razão e, na sua razão, também erram.
Na vida não existem bons e maus...
Devo dizer que foi difícil concretizar
este filme. Em Portugal, tive o apoio
fundamental do Rodrigo Areias [da
produtora Bando à Parte], mas o passo
seguinte, conseguir uma produtora
inglesa, fundamental para este projeto,
foi particularmente duro: afinal, era
uma realizadora portuguesa, a fazer
um primeiro filme e a apontar o dedo
a uma realidade britânica! Fizeram de
tudo para que desistíssemos, e não
era por não acreditarem no projeto.
A verdade é que este era um filme
inconveniente. Mas eu adoro ser
inconveniente e vou ser muitas vezes
inconveniente! Ainda bem que não
desistimos.

há um sentido de denúncia?
Claro que há. Um filme sobre este
assunto tem de fazer perguntas: o que
se passa aqui? O que é isto? Somos
pessoas ou não somos pessoas?
Nesse sentido, é um filme político?
[Pausa] Odeio responder a essa
pergunta... Podia ser um filme muito
mais ativista e político. Não gosto
que seja catalogado dessa maneira
porque traz logo muitos preconceitos
associados. Mais do que um filme
político, é um filme de pessoas, para
pessoas e sobre pessoas.
Parece-me uma bela definição de
política...
Só falo na presença do meu advogado
[risos]! Bom... Acho que é um
filme que, de uma forma honesta
e sincera, pretende ver todos os
lados da questão. Não significa
que eu não tome uma posição, e
faço-o de uma maneira muito clara:
pretendo defender a inocência. E a
inocência também existe quando
não parece, mesmo quando tudo
aponta no sentido contrário. Talvez
seja essa a minha missão enquanto
pessoa, mulher, realizadora, artista:
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