Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1

86 VISÃO 15 OUTUBRO 2020


CINEMA

Quando chegou ao Festival de
Veneza tinha, sinceramente, a
expectativa de sair de lá com
algum prémio?
Cito Pessoa: tenho em mim todos
os sonhos do mundo! [Risos.] Eu
acredito muito no que faço, contra
ventos e marés. De outra forma
tinha ficado pelo caminho às
primeiras adversidades... Mas uma
coisa é querermos imenso, outra...
A competição em Veneza é, sempre,
de altíssimo nível, não é?
E foram seis prémios...
Sim. E senti que, ali, era só uma
pessoa com um filme projetado
numa tela. Aliás, já estava em
Roma, onde tinha perdido o voo
de ligação para Lisboa, quando
recebi um email a anunciar que
tinha ganho um Bisato d’Oro [à
letra, “enguia de ouro”, prémio
paralelo do Festival de Veneza
com um júri constituído por
críticos] para melhor filme. Voltei
para Veneza, claro, e já achava
muito ter recebido esse prémio!
Deixou-me muito feliz, depois, o
facto de um dos prémios oficiais
[o Leão do Futuro], anunciado
para grande surpresa minha na
cerimónia, ser uma maneira de
me dizerem que querem ver mais
coisas feitas por mim. Cada um
dos prémios foi muito importante.
São seis avaliações totalmente
distintas umas das outras, com
objetivos e júris diferentes, a
premiarem o filme a partir de
perspetivas diversas. Listen foi
premiado pelos críticos mais
independentes e mais focados na
relevância do cinema mas também
foi distinguido pelo seu impacto
social ou pela Hollywood Foreign
Press Association... Para mim, essa
diversidade no reconhecimento
é, por si só, como um sétimo
prémio. E ainda houve um oitavo,
que foi chegar a Portugal e sentir
um abraço imenso de tantos
portugueses.
Desvalorizou aquela polémica,
em 2015, provocada por o seu
nome, de uma ex-atriz de séries
de televisão para adolescentes,
ter sido anunciado como parte
de um júri do ICA, ou isso
marcou-a?
Hoje, tenho vontade de responder
“qual polémica?” e seguir em frente.

Houve deslealdades nesse momento,
pessoas que tinham acesso a todas
as informações e optaram por retirar
algumas do contexto. Fui aprendendo
na vida que quando o adversário é
desleal, não vale a pena tentar torná-
lo leal, porque isso não vai acontecer.
Só há um caminho: desligar e seguir.
Mas na altura quis, antes disso,
mostrar a falta de lealdade do outro
lado... Muita gente aconselhou-me
a não o fazer, mas fiz. Não podia
admitir que me catalogassem de uma
certa forma, desleal, depois de tudo
o que fiz e do percurso que já tinha
percorrido. Expliquei, com todas as
letras, numa carta aberta, a quem de
direito, a realidade: sim, era o rosto
de certos projetos da televisão, com
todo o gosto, e era também a pessoa
licenciada na Escola de Belas-Artes e
com um mestrado numa das melhores
escolas de cinema do mundo. Na
altura, incomodou-me... Olhando,
hoje, à distância, para esse episódio,
até compreendo bem a facilidade
que há em acontecerem equívocos
simples que podem tomar proporções
disparatadas. Genuinamente, não sou
nada de guardar rancores, até porque
eu também erro, claro, e, no fundo,
todos temos preconceitos. Prefiro
sempre que a minha história seja de
esperança. [email protected]

Não o faço porque é importante,
para mim já não mas para outras
pessoas, no sentido de as ajudar a
não desistirem, a tentarem sempre...
E acho que não é uma coisa deste
meio, do cinema e das artes, é uma
coisa da vida. O preconceito faz
parte da vida. Se os preconceitos que
me atingem, e com os quais lido,
existem por ter um palmo de cara
e 12 anos de trabalho em televisão,
vivo bem com isso... Há outros mais
agressivos, tristes e até estúpidos.

“FUI APRENDENDO


NA VIDA QUE QUANDO


O ADVERSÁRIO É


DESLEAL NÃO VALE A


PENA TENTAR TORNÁ-


LO LEAL, PORQUE ISSO


NÃO VAI ACONTECER.


SÓ HÁ UM CAMINHO:


DESLIGAR E SEGUIR”


Vencedora A diversidade dos seis prémios
recebidos em Veneza foi, para Ana Rocha de Sousa,
“como um sétimo prémio.” “E ainda houve um
oitavo”, diz: “Chegar a Portugal e sentir um abraço
imenso de tantos portugueses”
Free download pdf