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Folha de S. Paulo/Nacional - Cotidiano
sexta-feira, 16 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Tati Bernardi


Um mix de naftalina com desodorante Polo Ralph
Lauren


Estava com a minha filha na piscininha infantil do clube
(com capacidade para mais de cem pessoas, porém
estão liberando apenas dez e por uma hora -me
julguem, mas criança precisa tomar sol) quando
comecei a sentir o cheiro: um mix de naftalina com
desodorante Polo Ralph Lauren. O sujeito usava uma
bermudona cargo com motivos militares e umas
pulseiras grossas de prata. Tentei manter distância, mas
ele ria, falava alto e se aproximava, conversando com
um bombadão de regata e cabelo raspado: "A mulher
tava na vontade, voltei todo esfolado... Ela tinha um
bundão, mas era mole e cheio de espinhas".


Senti meu fígado revirar 17 vezes e, quando isso
acontece, preciso pôr para fora rapidamente. Ou seja,
preciso escrever. Ainda é possível, no que nos resta de
democracia, ridicularizar esses tipos detestáveis, e o
espaço neste jornal é a minha vingança.


Pela conversa entendi que o primeiro, recém-separado,
estava "de volta ao crime" e o segundo, casado e
ignorando uma criança doida por afeto na piscina (o
menino de uns seis anos ameaçou chorar porque os
olhos estavam ardendo, e o pai fez uma expressão
"larga de frescura"), assumia o papel de plateia
machista "bato palminha pro seu pênis porque,
infelizmente, é o mais próximo que me permito chegar
dele". Ao perceber minha cara de nojo, a dupla resolveu
aumentar ainda mais os decibéis e os absurdos.

O bermudona cargo então começou a falar que fez
questão de "foder a ex-mulher" na separação: "Ela veio
com um papo de que tinha não sei quantos por cento da
casa, por causa de uma ajuda que deu quando
compramos, e eu deixei bem claro: se quiser levar um
vaso, vai ser porque eu atirei ele na sua cabeça". Disse
ainda que ela foi para as redes sociais contar "o que
estava passando". Ao que o segundo interveio: "Minha
mulher viu e ia começar a defender essa palhaçada,
mas eu fechei a cara e ela calou a boca rapidinho".

Dando sequência ao desfile orgulhoso de canalhice, o
bombadão passou a depreciar uma professora da
academia do clube: "É muito sem noção, né? A mulher
é gorda e quer ser personal". O outro começou a rir
descontroladamente: "Hoje em dia não dá mais pra falar
mal de gorda, ainda mais sendo professora... O que
mais tem é gente defendendo gorda e professor!". E me
olhavam. Provocavam. Talvez pelo meu semblante
chocado; talvez porque eu fosse uma mulher sozinha
com uma criança e eles achassem que uma mulher sem
um macho ao lado não mereça respeito; talvez porque
eu não tenha o corpo que eles considerem atraente e
isso seja ofensivo às mulas que acreditam realmente
que existimos para agradá-los; talvez porque saibam
que eu escrevo e eles se tornariam personagens (sem
bem que eu duvido que leiam qualquer coisa).

Eu estava ali com a minha filha, uma menininha que
ainda não tem nem três anos. E pensei que, em vez de
vomitar e me sentir desvitalizada e consternada, eu
preciso é durar mais 80 anos. O tempo necessário para
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