Clipping Banco Central (2020-10-16)

(Antfer) #1

Fux deve resgatar harmonia e coesão que prometeu ao Supremo na posse


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Opinião
sexta-feira, 16 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Libertação do traficante expôs as entranhas de um
tribunal onde 82% das decisões são monocráticas


Em seu discurso de posse na presidência do Supremo
Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux não poderia
ter sido mais enfático ao defender a harmonia
institucional como essencial para a saúde da
democracia. Defendeu também que o Supremo, como
guardião da Constituição, transmita à sociedade uma
imagem coesa: “O Supremo Tribunal Federal há de ser
unívoco nas suas manifestações e, mesmo na salutar
divergência, há de ostentar coesão de ideais e de força
capaz de repudiar, em uma só voz, eventuais atentados
à ordem democrática”.


Apesar do placar, coesão não foi exatamente o que se
viu no julgamento do habeas corpus que libertou o
traficante André do Rap, emitido pelo ministro Marco
Aurélio Mello e revogado por Fux, decisão corroborada
ontem no plenário por 9 votos a 1.0 episódio serviu para
exporá deficiência da nossa legislação de execução
penal. Quando a manobra do Congresso para ajudar


criminosos de colarinho branco resultou na libertação de
um traficante internacional, todos enxergaram o óbvio:
flexibilizar o Código Penal para compadres ajuda o
crime organizado.

O Supremo agiu com bom senso ao manter a ordem de
prisão. Ainda assim, criou-se um clima de tensão no
tribunal que Fux prometera pacificar. Por ter revogado
uma decisão de outro integrante da Corte, ele próprio foi
criticado. Não há, no regimento interno do STF, previsão
para que o presidente revogue decisão de outro
ministro.

O caso expôs também as entranhas do tribunal
frequentemente comparado a um arquipélago de 11
ministros-ilhas onde, das 78.998 decisões registradas
neste ano até ontem, 64.952 — ou 82% —haviam sido
monocráticas (a exemplo da que soltou o traficante).

A miríade de brechas e recursos jurídicos para que
processos cheguem ao Supremo e a profusão de
decisões monocráticas criam como que uma loteria. Há
um incentivo para que advogados impetrem e desistam
de habeas corpus até que algum seja sorteado para um
ministro mais camarada, de preferência da ala
“garantista” que costuma favorecer os réus.

Nada há de errado em divergências na interpretação da
Constituição. O Supremo existe justamente para dirimi-
las. O choque entre as visões “garantista” e
“consequencialista” (ou “puni tivista”) traduz conceitos
jurídicos essenciais para a boa aplicação das leis. Mas
não pode se transformar em armadilha para o próprio
tribunal. A sociedade depende de uma Corte
constitucional robusta e independente, nos termos que o
próprio Fux descreveu na posse. O Supremo é
importante demais na democracia brasileira para se
perder em rusgas sobre uma decisão criminal que
deveria ser trivial. Cabe agora a Fux resgatar a
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