Clipping Banco Central (2020-10-16)

(Antfer) #1

ELIANE CANTANHÊDE - Dói na alma


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Política
sexta-feira, 16 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: ELIANE CANTANHÊDE


Em seu quarto personagem desde a eleição e a posse,
há menos de dois anos, o presidente Jair Bolsonaro vai
se metamorfoseando de acordo com as circunstâncias e
conveniências políticas, mas de uma coisa ele não abre
mão: dobrar a aposta a toda semana, a toda hora, na
sua versão da “gripezinha”. São 152 mil mortos, mais de
5,1 milhões de contaminados e o discurso do presidente
do Brasil é o mesmo, inacreditavelmente, irritantemente,
negacionista.


Eu estava no velório do jornalista Alberto Coura, na
quarta-feira, quando Bolsonaro insistiu que a pandemia
é “superestimada”. Como assim? O que mais é preciso,
no Brasil e no mundo, para o presidente admitir para
sua gente que o coronavírus é grave, gravíssimo, uma
tragédia na história da humanidade? Ele sabe
exatamente o que se passa, mas não admite por
estratégia, por cálculo político. Aliás, como fez e faz seu
ídolo e mentor Donald Trump nos EUA.


Beto Coura, que foi da EBC e assessorou o ministro
Celso de Mello na presidência do Supremo, era muito
querido em Brasília e casado com a também jornalista
Vanda Célia. Tinha 63 anos, passou 84 tenebrosos dias
numa UTI e morreu em função do vírus. Como falar que
a pandemia foi “superestimada”? Como ouvir isso sem
sentir indignação, pelo Beto, pela Vanda, pelos 152 mil
mortos e suas famílias? Dói na alma.

Desde o início – quando o mundo inteiro já estava em
alerta, mas ele e Trump davam de ombros – Bolsonaro
não está preocupado com vírus, contaminação, mortes.
Só teme o efeito na sua popularidade, no seu governo e
na sua reeleição. A frase dele, ainda em março, diz
tudo: “Se afundar a economia, acaba meu governo,
acaba qualquer governo. É uma luta pelo poder”. Não,
presidente, não é uma luta pelo poder, é uma luta pela
vida.

O atual grande risco é a politização da vacina, única
boia salva-vidas contra esse maldito vírus, que chega
numa segunda onda e apavora novamente a Europa.
Não satisfeito em relevar a obrigatoriedade de tomar a
vacina, Jair Bolsonaro não acha fundamental uma
vacina para acabar a pandemia, mas que a “sua” vacina
chegue antes da “dele” – a do governador João Doria.
Seria só mesquinho, não fosse odioso.

Ao dar ouvidos aos terraplanistas do governo, prevendo
3,5 mil mortes, e a empresários oportunistas, que
imaginavam “só” 6 mil, Bolsonaro agia pensando nele
mesmo. Daí vieram: “gripezinha”, “histeria da mídia”,
“não sou coveiro”, “todo mundo vai morrer”, “e daí?”.
Desdenhou do isolamento, promoveu aglomerações
(inclusive golpistas), descartou as máscaras, demitiu
dois ministros da Saúde, deixou um general interino por
meses, faz propaganda de um remédio sem
comprovação contra o coronavírus e, por fim, ameaça a
vacina.
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