Clipping Banco Central (2020-10-17)

(Antfer) #1

Nossa infindável fragilidade


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
sábado, 17 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Bolívar Lamounier


A pandemia e a certeza de que tão cedo não teremos
um ajuste fiscal seguro trouxeram de volta a
preocupação com a fala de "resiliência" do sistema
político brasileiro. Esse termo significa que nosso
Estado cambaleia toda vez que se depara com
situações muito negativas.


Triste é constatar que essa joia do jargão politológico
não diz nem metade do que precisa ser dito. A
fragilidade da organização política brasileira não é
ocasional. Não se manifesta somente quando batemos
de frente com algum obstáculo poderoso. Trata-se de
uma fragilidade mal compreendida, abissal, que deriva
de várias causas e produz efeitos crudelíssimos sobre
as parcelas mais vulneráveis da sociedade. Seu
aspecto mais perceptível é o que Ricardo Noblat certa
vez denominou "o céu dos favoritos". A fauna
brasiliense compõe-se de numerosas espécies que
diferem em quase tudo, menos no apetite. E na volúpia.
Habitam os três Poderes e se valem deles para se
apropriarem de cifras estratosféricas, sob a forma de
salários, de ajudas de custo, das cotas ministeriais que


alimentam o famigerado "presidencialismo de coalizão"
e de assessores-de-coisa-alguma, sem esquecer as
proverbiais "rachadinhas". Com as exceções de praxe,
claro.

Nesse quadro, o termo "resiliência", com sua conotação
de excepcionalidade ou intermitência, soa doce como o
trinado de uma ave da nossa fauna. O buraco é muito
mais embaixo, e há um ponto sobre o qual não temos o
direito de nos enganar: a chance de Brasília fazer uma
reforma política e administrativa séria é remota. Faz 35
anos que estamos discutindo reformas e o saldo é pífio.
A rigor, não dispomos sequer de um diagnóstico, ou
seja, de uma visão consistente, objetiva e abrangente
do Estado e de suas relações com a sociedade. O
problema, como vinha dizendo, não é a baixa
"resiliência" de nossa estrutura institucional; é sua
incapacidade de extirpar de si a infinidade de privilégios
obscenos que se entrincheiraram em seus desvãos,
para depois, com a ajuda de Deus, estabelecermos um
sistema capaz de impulsionar o crescimento da
economia, reduzir as desigualdades sociais e
revolucionar o sistema de ensino.

Peço permissão aos leitores para repetir um argumento
que venho martelando há várias semanas. Sem um
sistema político verdadeiramente propulsor estaremos
condenados à chamada "armadilha do baixo
crescimento". Com nossa renda per capita crescendo no
máximo 2% ao ano, levaremos décadas para progredir.
Nem temos como falar em progresso, pois, nesse
horizonte, é de retrocesso que se trata, e deixo a critério
de cada um imaginar o que isso significa.

Farei a seguir referência a três aspectos de nosso
sistema político, os três com uma longa história e com
tendência a piorar. O primeiro é nossa infantil fixação no
"Executivo forte", quero dizer, naquele anseio por um
salvador, civil ou militar, que venha nos tirar do buraco.
Aquele demiurgo capaz de fixar com sabedoria as
prioridades nacionais e de assegurar unidade,
estabilidade e eficiência à máquina de Estado que as irá
executar.
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