Clipping Banco Central (2020-10-18)

(Antfer) #1

Magistratura, racismo e ações afirmativas


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
domingo, 18 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Guilherme Fdicicmo e Germano Siqueira


A rede Magazine Luiza anunciou no mês passado a
abertura de inscrições para seu programa de trainees
com a indicação de que, desta feita, só aceitaria
candidatos negros. Algo de uma justiça óbvia para
quem se dedica a conhecer os números e a história da
negritude tupiniquim. Mas foi o quanto bastou para,
nestes tempos estranhos de extremismos e intolerância,
explodir a mais surre a lista polêmica em todas as
agências noticiosas do país. Sob as luzes da ribalta,
uma vez mais, o debate sobre o racismo estrutural e as
necessárias políticas - públicas e corporativas - de
inclusão social.


Não há qualquer dúvida razoável, sustentável em
qualquer espaço (acadêmico, político ou judicial),
quanto ao fato de que o Brasil é um dos países mais
desiguais e injustos do planeta. Também é indene de
dúvidas o fato de que, nos quase 200 anos de Brasil,
tais iniquidades vitimaram especialmente a população
negra e "parda" (com o perdão da expressão, há
décadas consagrada nas estatísticas do IBGE).


Basta lembrar que a escravidão no Brasil foi abolida em
1888, muito menos pela "indulgência" de uma princesa -
que pessoalmente teria poucas condições de confrontar
o establishment - e muito mais por uma confluência de
fatores bem menos românticos: as pressões
diplomáticas da Inglaterra, os ruidosos movimentos
abolicionistas e as crescentes reações da população
oprimida.

A abolição, porém, foi antes uma capitulação do que
uma redenção. Foi necessária outra metade de século
para que a legislação começasse a infletir, ao menos
simbolicamente, o recorte cultural racista da sociedade
brasileira: a Lei Afonso Arinos, de 1951, convolou o
preconceito de raça em contravenção penal (ou seja,
um "crime anão", na célebre fórmula de Nelson Hungria)
.

Outro meio século se passou para que finalmente, em
1989, a Lei Alberto de Oliveira - Lei Caó - tipificasse o
racismo como crime (lei n° 7.716, artigos 30 a2o). Cem
anos depois da "abolição", negar o atendimento em um
aloja ou impedir o acesso a transportes públicos por
discriminação ou preconceito de raça passou a ser
crime, punido com dois a cinco anos de prisão (artigos
5o e 12). Essa "presteza" legislativa sugere uma
sociedade que repulsava o preconceito racial?

Negar que os negros foram historicamente
discriminados - ou compará-los acriticamente a outros
grupos não alijados estruturalmente é nada menos que
uma bofetada no mundo da vida. A magistratura
nacional bem sabe disso. Não por outra razão, em
2015, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) reservou
20% das vagas em concursos públicos para juízes a
candidatos negros.

Não por outro motivo, em 2017, o STF declarou
constitucional a lei 12.990/2014, que reservou aos
negros 20% das vagas oferecidas nos concursos
públicos para provimento de cargos efetivos e empregos
públicos no âmbito da administração pública federal.
Não por outra causa, enfim, a magistratura do Trabalho
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