O trabalho do futuro ameaçado
Banco Central do Brasil
Correio Braziliense/Nacional - Opinião
domingo, 18 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: » ALMIR PAZZIANOTTO PINTOAdvogado, foi
ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior
do Tr
Sabemos que a Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) não poderia prever modalidades de trabalho que
surgiriam no final do século 20. O exemplo mais recente
é o teletrabalho, incrementado pela pandemia da covid-
- O fácil acesso ao microcomputador, à internet, ao
celular alargou os caminhos para o trabalho a distância
com o uso de equipamentos eletrônicos. O predomínio
sempre foi do trabalho presencial.
Milhões de mulheres e homens ainda se prendem à
massacrante rotina: acordam, tomam o café da manhã e
dirigem-se ao emprego. Fazem uso de oneroso
transporte individual ou coletivo. Quatro vezes por dia
marcam o ponto: para entrar em serviço, para sair e
voltar do almoço e no final da jornada. Durante oito
horas, permanecem sob vigilância, em regime de
subordinação. Dependendo da personalidade do chefe,
até a ida ao lavatório é fiscalizada. As preocupações
com produtividade e custos exigem do empregador que
administre as horas de serviço.
Nesse aspecto, a CLT é minuciosa. Disciplina de forma
detalhada a duração do trabalho e os intervalos
destinados ao repouso. Gerações de empregados
adaptaram-se de maneira servil às exigências de
legislação restritiva da liberdade pessoal. O rigor da lei
pode ser avaliado pelo conteúdo do parágrafo 1º do art.
58: "Não serão descontadas nem computadas como
jornada extraordinária as variações de horário no
registro de ponto não excedentes de cinco minutos,
observado o limite máximo de dez minutos". O registro
de presença deve ser preciso às partes contratantes. O
exagero da legislação cerebrina se manifesta no
parágrafo 1º do art. 73, cujo texto diz: "A hora de
trabalho noturno será computada como de 52
(cinquenta e dois) minutos e 30 (trinta) segundos".
Em 1943, quando foi a CLT elaborada, o ponto poderia
ser manual ou mecânico. O "livro de ponto", anotado à
mão, era comum em repartições públicas e pequenos
negócios. Médias e grandes empresas utilizavam-se de
cartão confeccionado em papelão barato, no formato
exigido pelo Ministério do Trabalho. Acabou
desacreditado com o passar dos anos.
Estabelecimentos com centenas de trabalhadores
necessitavam de mais de uma "chapeira", placa
metálica onde ficavam depositados cartões individuais.
Conflitos trabalhistas, tendo como fulcro a cobrança de
horas suplementares, continuam a ser frequentes. Não
me recordo de ter visto um único processo no qual o
pedido de horas extras tenha sido improcedente. Basta
uma testemunha, em geral colega de trabalho, para
anular a prova produzida por cartões anexados aos
autos. O moderno REP -- Registro Eletrônico do Ponto
não resolveu o problema, como sabem os advogados e
juízes trabalhistas.
O teletrabalho poderá reduzir pendências dessa
natureza, pela flexibilização imprimida ao horário de
trabalho. Em casa o empregado iniciará a jornada sem
se preocupar com registro manual, mecânico ou
eletrônico. A subordinação se esgarça. Gozará de