Clipping Banco Central (2020-10-18)

(Antfer) #1

O duplo ataque à democracia


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
domingo, 18 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Luiz Sérgio Henriques


Reza a sabedoria dos políticos de Minas que no tempo
das cédulas de papel, dos cabos eleitorais e fiscais de
urna, com a contagem de votos seguindo lenta e
sinuosamente por dias a fio, era necessário vencer não
só a eleição propriamente dita, como também a
apuração, não sendo impossível ter êxito na primeira e
fracassar na segunda dessas empreitadas. Pois é de tal
ordem o ataque desferido contra as democracias,
incluída a aparentemente mais sólida delas, que aquela
sabedoria saiu dos limites do folclore local e passou a
rondar a vida de muitas nações. Não podemos dar por
certo e decidido que daqui a duas semanas, nos
Estados Unidos, se faça rotineiramente a contagem
eleitoral, se proclame o vencedor e se providenciem as
formalidades de praxe, especialmente em caso de
vitória de Joe Biden, o desafiante.


A globalização da economia, que não é propriamente o
resultado de ação consciente, sem dúvida desorganizou
arranjos produtivos nacionais e deixou livre o cenário
para a ofensiva contra os pilares da ordem democrática
e os compromissos que ela implica. Um ataque em


pinça, diríamos, tomando de empréstimo uma
expressão do léxico militar, a que tantas vezes se
recorre para entender a política. Sociedade civil e
sociedade política constituíram, respectivamente, os
alvos da dupla ação destrutiva, levada a cabo com
regularidade e constância nestes últimos tempos.
Portanto, há método nesta ação aparentemente
anárquica, mas claramente voltada para o
estabelecimento de padrões autocráticos de mando.

Tomemos a sociedade civil, o lugar por excelência de
encontro e confronto entre opiniões e valores, visões e
concepções de mundo próximas ou concorrentes entre
si. O lugar da hegemonia, em suma, entendida como
capacidade de persuasão, não de imposição ou força.
Há muito essa esfera decisiva da vida social vem sendo
atingida por uma escalada crescente de descrença,
barbárie, irracionalismo. Não há nostalgia romântica
quando se observa a contínua degradação da
linguagem pública, de suas imagens e seus signos. É
possível, por exemplo, que ainda não nos tenhamos
dado conta plenamente da violência simbólica
explicitada nas mãos que imitavam armas e simulavam
rajadas de tiros, "desferidos" em meio ao deboche. Pois
foram essas mãos a marca principal das eleições de
2018 - comparativamente, a vetusta vassoura de Jânio
Quadros, outro político irresponsável da direita nacional,
vem à memória como sinal inocente e até bem-
humorado de uma época com índices relativamente
menores de desfaçatez.

Políticos assim tornam-se críticos de costume, fazendo
as vezes de pregadores e até "filósofos". Do alto de
seus púlpitos, os presidentes Donald Trump e Jair
Bolsonaro, entre outros, promovem incessantes
"guerras de cultura". O alvo preferido é o "politicamente
correto", que, exageros à parte, presentes sobretudo na
versão puritana dos norteamericanos, contribuiu para
diminuir o grau de sadismo nas relações sociais, para
recorrer a uma avaliação de Richard Rorty (em geral,
um crítico da correção política).

Aqueles presidentes nem desconfiam, mas o intérprete
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