Clipping Banco Central (2020-10-18)

(Antfer) #1

Música para ouvidos calafetados


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
domingo, 18 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Ruy Castro


rio de janeiro Um fã brasileiro do guitarrista americano
Eddie Van Halen, morto na semana passada aos 65
anos, contou emocionado que, aos 16 anos, em 1983,
foi vê-lo tocar no Maracanãzinho. Vê-lo, não ouvi-lo. O
volume de som, disse, era literalmente ensurdecedor:
"Enrolei a camisa na cabeça para proteger os ouvidos e,
mesmo assim, fiquei surdo por uma semana. Foi
inesquecível!".


Em outro momento, atribuiu a Van Halen "técnicas de
guitarra só compreensíveis se você o visse tocando - só
de ouvir era impossível". Donde, se o importante era o
visual, escutar ou não seria indiferente. Van Halen era
famoso por dar saltos acrobáticos no palco, ao mesmo
tempo em que, segundo outro fã, criava "técnicas
incríveis para extrair novos timbres, sons e notas".
Deduzo que tais qualidades musicais eram apenas
presumidas, já que suas platéias, extáticas pelos saltos
e com os ouvidos calafetados pelas camisas, não o
escutavam direito.


Preocupante também devia ser a surdez que se


estendia pela semana seguinte. Com ela, a turma ficava
impedida de escutar discos do próprio Van Halen e de
outros artistas que admirasse. No caso de Van Halen,
isso não era problema, já que ouvi-lo sem vê-lo tornava-
o incompreensível, e isso explica que, ao contrário de
seus colegas, ele não tenha vendido 300 milhões de
discos. O disco, pelo visto, não era o seu veículo. Pena
que a surdez que provocava nos garotos impedisse que
esses escutassem guitarristas menos agressivos e,
talvez, mais musicais.

Van Halen não foi o único virtuose da guitarra. O
brasileiro Bola Sete, radicado nos EUA, tocava a sua
nas costas e, um dia, alguém viu Baden Powell tirar
sons do violão sem desencapá-lo daquele estojo de
lona. Mas não faziam disso a maior atração de seus
shows.

Meu favorito no gênero ainda é Jimi Hendrix. Certa vez,
no palco, ele botou fogo em sua guitarra. Com aquela,
pelo menos, nunca mais tocou.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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