Clipping Banco Central (2020-10-19)

(Antfer) #1

Todos os bois do Pantanal


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Opinião
segunda-feira, 19 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: DEMÉTRIO MAGNOLI E MAURÍCIO COPETTI


No Pantanal, circulam todos os bois, inclusive os
imaginários, que também cumprem funções úteis.


Há o boi histórico, introduzido no final do século 18, com
o fim da exploração do ouro.


As famílias ricas de Mato Grosso começaram a
demarcar fazendas e iniciaram seus rebanhos com
bovinos selvagens. Então, ao longo dos rios Paraguai e
Cuiabá instalaram-se charqueadas. Um século depois, a
Estrada Boiadeira conectou a região a Barretos, abrindo
novos mercados à pecuária pantaneira. O boi tradicional
era deslocado em pé, nas comitivas que percorriam
centenas de quilômetros, cruzando campos, rios,
corixos, lagoas e vazantes.


O sistema ecológico do Pantanal não é natureza
intocada, mas o fruto da interação entre a pecuária
extensiva e o bioma prévio.


A trama de campos e matas, em molduras de águas
que se movem sazonalmente, foi consolidada pelas


boiadas. O boi tradicional cumpre a função de "limpar" a
paisagem, abrindo nichos para a diversidade de
espécies pantaneiras, tal como fazem os grandes
herbívoros das savanas africanas.

Há, também, o boi moderno, que chegou há meio
século, com as rodovias e redes de energia elétrica, e
divide espaço com o boi tradicional. O advento de uma
pecuária mais intensiva gerou pressões ecológicas
diversas, como a substituição parcial das pastagens
nativas por pastos de braquiárias e a derrubada de
matas. Recentemente, começou a se difundir a
drenagem de campos, por meio de canais artificiais e
diques, para a expansão de pastagens. A prática
destrutiva interfere no ciclo anual das enchentes e
vazantes, que funciona como macrorregulação do
sistema ecológico.

Há, finalmente, o boi imaginário, batizado como "boi
bombeiro" pela ministra Tereza Cristina. O animal não
pasta nem circula em comitivas ou caminhões, mas
desempenha indisfarçáveis papéis políticos e
ideológicos.

O fogo é parte do ambiente do Pantanal. Fogos
controlados eliminam biomassa vegetal acumulada nos
campos, mantêm pastagens e propiciam mais
biodiversidade. Os incêndios avassaladores que se
espalharam pela planície pantaneira, saltando barreiras
líquidas, são coisa diferente: o resultado da combinação
do crime ambiental com as mudanças climáticas.

Não há boiada capaz de domar esse tipo de fogo. Os
"bombeiros", no caso, são regras ambientais rigorosas,
órgãos de fiscalização robustos, articulação entre
governos e ONGs sérias, forças-tarefa anti-incêndio,
equipagem da população local para combater as
chamas. A ministra fala no boi imaginário para silenciar
sobre o ponteiro Ricardo Salles, que toca o berrante da
devastação à frente de uma comitiva de bárbaros.

O "boi bombeiro" pertence a uma narrativa mais ampla.
Em Corumbá, o mesmo Salles foi saudado por um
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