Clipping Banco Central (2020-10-19)

(Antfer) #1

Crônica da Cidade


Banco Central do Brasil

Correio Braziliense/Nacional - Cidades
segunda-feira, 19 de outubro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: por Mariana Niederauer >>
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Ser quem eu sou
Ser completamente. Sem tirar nem por. Quem, nesta
vida, tem a oportunidade de alcançar tal privilégio?
Mesmo em condições que me dariam uma vantagem
extrema de cruzar a linha de chegada e encontrar a
plenitude, enxergar a solidão desse posto é mergulhar
num vazio existencial.


Quando o óbvio precisa ser dito sobre situações de
violência ou de preconceito, a sensação aflora. Os
corpos violentados, a alma ferida. A distância até a luz
no fim do túnel se agiganta. O que poucos percebem é
como a exclusão nos deixa sozinhos e, aí, o limite entre
a liberdade e o aprisionamento torna-se tênue.


Ser por completo, e primeiro, antes de tudo mesmo, é o
que nos transforma em pessoas capazes de termos o
outro em nossas vidas. Mas pressupõe também
descobertas e aceitação, essenciais para respeitar a


alteridade. Tanto aquela que existe, circula e vive dentro
de nossos lares quanto a que cruzamos nas ruas,
esquinas, bares, escolas ou supermercados.

Um belo dia resolvi mudar. E fazer tudo o que eu queria
fazer. Os versos não são meus, evidentemente. Em
uma revolução pessoal e nacional, Rita Lee ajuda a
decifrar e traduzir todo esse furacão de existências
femininas. Em tudo o que eu faço. Existe um porquê. Eu
sei que eu nasci. Sei que eu nasci pra saber.

E fui andando sem pensar em voltar. E sem ligar pro
que me aconteceu. Um belo dia vou lhe telefonar. Pra
lhe dizer que aquele sonho cresceu. E não parou de
crescer.

Sob um viés contemporâneo, a questão ganhou outros
contornos. Universais. E é necessário reconhecer as
engrenagens que contribuem para sermos mais
pasteurizados, menos nós mesmos. Viver o sonho
americano, ou mesmo o brasileiro distante dos
subúrbios, é o risco de igualar a todos na busca de um
patamar quase sempre inalcançável.

Um dos entraves mais claros está na expectativa criada
a partir do "quem eu sou" e "nasci pra quê?". Em
Sejamos todos feministas, a premiada escritora
nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie resume parte do
enigma. "O problema da questão de gênero é que ela
prescreve como devemos ser em vez de reconhecer
como somos. Seríamos bem mais felizes, mais livres
para sermos quem realmente somos, se não tivéssemos
o peso das expectativas do gênero", escreve.

No ar que eu respiro. Eu sinto prazer. De ser quem eu
sou. De estar onde estou.

Os versos repetidos em refrão concretizam justamente a
quebra da lógica perversa que pune a todos com a
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