NOV EMBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 29
médio das mulheres, chega apenas a
68,5% da remuneração dos homens^4
- a discrepância mais elevada entre
as economias ditas “desenvolvidas”.
Apenas 52% das mulheres em idade
de trabalhar ocupam um emprego,
contra 72,3% dos homens, e a crise li-
gada à Covid-19 atingiu mais dura-
mente as assalariadas.^5 Os 15 mil al-
tos postos das quinhentas maiores
empresas do país contam em suas fi-
leiras com apenas 3,6% de mulheres.
As sul-coreanas possuem, no en-
tanto, mais formação universitária
que seus homólogos masculinos: en-
quanto, há duas gerações, apenas seus
irmãos eram enviados à universidade,
hoje 75,7% das mulheres de 25 a 34
anos possuem diploma universitário,
contra 64,1% dos homens.^6 Obrigadas
a escolher entre carreira e filhos, rejei-
tando as expectativas arcaicas de
uma sociedade de evolução bastante
lenta, muitas preferem manter sua in-
dependência e renunciam ao casa-
mento. Apenas 22% das mulheres
consideram o casamento indispensá-
vel; elas eram 47% há dez anos.^7
Como as sul-coreanas se casam
cada vez menos e cada vez mais tar-
de, os nascimentos diminuíram. Em
2019, a taxa de fecundidade caiu para
0,92 filho por mulher: um recorde.^8
Os programas de recuperação da na-
talidade, realizados desde 2005 tanto
pelos governos de direita como pelos
de centro-esquerda, custaram uma
fortuna – 123 bilhões de euros no to-
tal – e se revelaram de uma ineficácia
espetacular. Teriam errado de alvo?
“Não é por acaso que a região que exi-
be a taxa de natalidade mais forte é a
de Sejong”, observa Bae Jin-kyung.
Na nova capital administrativa, si-
tuada ao sul de Seul, a maior parte
dos residentes são funcionários pú-
blicos; a igualdade dos sexos no tra-
balho, portanto, é maior ali, e a segu-
rança do emprego é mais forte.
MISOGINIA DOS JOVENS HOMENS
Já Lee Min-kyung lamenta que o go-
verno “persista em analisar a queda
da natalidade apenas do ponto de
vista econômico, já que ela é devida a
uma guerra dos sexos”. Na verdade,
as recentes vitórias das mulheres
provocaram uma radicalização do
discurso misógino, em particular en-
tre as novas gerações. “Muitos ho-
mens odeiam as feministas. Eles nos
insultam”, conta Seo Ji-eun. Os de 20
a 30 anos se mostram até mais viru-
lentos que os de 30 a 40 anos; 76%
desses jovens declaram abertamente
sua oposição ao feminismo.^9
Em setembro de 2019, a adaptação
para o cinema de Kim Ji-young, nasci-
da em 1982 causou uma corrente de
ódio e de insultos on-line, expondo a
nova onda de cisão que percorre a so-
ciedade. Os homens que se dizem ví-
timas de discriminações se agrupam
no seio de associações masculinistas
e usam seu longo serviço militar obri-
gatório para justificar seus privilé-
gios tradicionais. A controvérsia tem
consequências políticas: o presidente
de centro-esquerda, Moon Jae-in,
com ideias vistas como próximas às
das feministas, viu sua taxa de apoio
cair entre os jovens eleitores.
O conf lito se agravou com o au-
mento do desemprego dos jovens e a
estagnação da economia. Muitos ho-
mens jovens não têm os meios de se
conformar às normas sociais rígidas:
para se casarem, precisam ganhar o
suficiente para comprar uma mora-
dia e pagar pela escolaridade de seus
futuros filhos. Sentem-se espoliados.
Frustrados diante da nova concor-
rência das mulheres no mundo do
trabalho, muitos se recusam a ver que
as expectativas delas mudaram. “A
nova geração de garotos não é nada
diferente! Eles cresceram observando
seus pais”, ironiza uma estudante de
Seul. Para as sul-coreanas, o combate
ainda corre o risco de ser longo.
*Frédéric Ojardias é jornalista (Seul) e au-
tor do ensaio Les Sud-Coréens (As sul-co-
reanas), Ateliers Henry Dougier, Paris, 2017.
1 Cho Nam-joo, Kim Ji-young, née en 1982 [Kim
Ji-young, nascida em 1982], NiL Éditions, Pa-
ris, 2020 (1. ed.: 2016).
2 Ler Sung Il-kwon, “‘Révolution des bougies’ à
Séoul” [“Revolução das velas” em Seul], Le
Monde Diplomatique, jan. 2017.
3 “Population trend investigations” [Investiga-
ções de tendências de população], Kosistat
(em coreano), maio 2020; e, sobre a França,
“Naissances hors mariage” [Nascimentos
fora do casamento], Instituto Nacional de Es-
tudos Demográficos, Paris, mar. 2020.
4 Ministério do Emprego e do Trabalho, Seul,
- Disponível em: http://www.wage.go.kr.
5 Ock Hyun-ju, “At workplaces and home, fe-
male workers hit harder by Covid-19 ou-
tbreak” [Nos locais de trabalho e em casa,
mulheres trabalhadoras mais atingidas pela
pandemia de Covid-19], The Korea Herald,
Seul, 18 maio 2020.
6 “Diplômés de l’enseignement supérieur” [For-
mados no ensino superior], Organização para
a Cooperação e o Desenvolvimento Econômi-
co (OCDE). Disponível em: http://www.oecd-ili-
brary.org.
7 “Till death do I stay single: South Korea’s #No-
Marriage women” [Solteira até a morte: as
mulheres #SemCasamento da Coreia do
Sul], AFP, 6 dez. 2019.
8 “S. Korea’s total fertility rate hits new low in
2019” [A taxa total de fertilidade da Coreia do
Sul atinge novo ponto mais baixo em 2019],
Yonhap News Agency, Seul, 26 fev. 2020.
9 Jake Kwon, “South Korea’s young men are
fighting against feminism” [Homens jovens da
Coreia do Sul estão lutando contra o feminis-
mo], CNN, 24 set. 2019.
© Giorgia Massetani
.