Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 160 (2020-11)

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NOV EMBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 31


da China em 16.966 embarcações
(contra treze, em meados da década
de 1980). Uma potência que, segundo
Poling, deve tudo às subvenções:
“Sem essa fonte de recursos, não ape-
nas a frota seria infinitamente mais
modesta, como também não poderia
estar presente no Mar da China
Meridional”.
Por e-mail, a professora da Uni-
versidade de Washington e especia-
lista em políticas de pesca chinesas
Tabitha Grace Mallory nos deu deta-
lhes sobre os sistemas de ajuda que
há duas décadas funcionam na Chi-
na. Em 2018, as subvenções ofereci-
das por esse sistema foram da ordem
de US$ 7,2 bilhões, ao passo que o
montante total estimado no mundo
foi de US$ 35,4 bilhões. Segundo Mal-
lory, esses recursos têm um efeito
globalmente “nocivo”, pois ajudam a
expandir, e não a reduzir, a frota, in-
clusive por meio de auxílio para a
compra de combustível e a entrada
em serviço de embarcações adicio-
nais. Apenas uma pequena parte des-
ses fundos é destinada ao desmante-
lamento de barcos que chegaram ao
fim de sua vida útil.


ESPÉCIES AMEAÇADAS
Os subsídios chineses também aju-
dam a renovar motores e a adquirir
cascos de aço mais duráveis para os
barcos de arrastão. Eles ainda co-
brem parte dos custos ocasionados
pela mobilização, nos locais de pes-
ca, de agentes de segurança armados
e de embarcações médicas, para que
os capitães possam permanecer mais
tempo no mar. Por fim, os marinhei-
ros chineses podem contar com da-
dos fornecidos pelo governo para lo-
calizar as áreas mais piscosas.
Para o pesquisador Daniel Pauly,
diretor do projeto Sea Around Us, do
Institute for the Oceans and Fisheries
(Instituto para os Oceanos e a Pesca),
da Universidade British Columbia, o
apoio público “tem um papel crucial
no esgotamento dos recursos pes-
queiros, pois permite manter em
operação navios que deveriam ser su-
cateados”. A opinião é compartilhada
por muitos especialistas: enquanto a
sobrepesca for possibilitada pela aju-
da financeira, o objetivo da pesca
sustentável continuará fora de alcan-
ce. Entre os estoques de peixes co-
mercializados que são monitorados

pela Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e Agricultura
(FAO), 90% sofrem sobrepesca, ou até
já se esgotaram – ou seja, não têm
mais capacidade de se reconstituir. É
isso que ocorre com as dez espécies
mais consumidas no mundo.
A China está longe de ser o único
país que oferece subsídios milioná-
rios à sua frota pesqueira. Mais de
50% das atividades de pesca do mun-
do não seriam lucrativas em sua es-

cala atual sem o apoio estatal que re-
cebem.^6 Quando se trata de pesca em
alto-mar – áreas oceânicas que não
estão sob jurisdição de nenhum Esta-
do –, o Japão é o mais pródigo, ofere-
cendo US$ 841 milhões em subsídios,
o equivalente a cerca de 20% do total
mundial. A Espanha responde por
14% dos subsídios à pesca em alto-
-mar distribuídos em todo o mundo,
seguida pela China (10%), pela Coreia
do Sul e pelos Estados Unidos.

© Edson Ikê

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