Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 160 (2020-11)

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34 Le Monde Diplomatique Brasil^ NOVEMBRO 2020


(1.400) e Londres (1.017), segundo um
relatório da consultoria imobiliária
britânica Knight Frank.^3


RETORNO À ESFERA
DE INFLUÊNCIA FEDERAL
Além da relativa escassez de imóveis
corporativos, que enfraquecia a atrati-
vidade internacional da metrópole,
sua distribuição era um problema. Um
terço dos empregos situava-se no dis-
trito central da capital, que represen-
tava menos de um décimo de sua
área.^4 Aos f luxos diários de milhões de
trabalhadores moscovitas, somavam-
-se 1,4 milhão de trabalhadores oriun-
dos do entorno de Moscou, o equiva-
lente a 30% de sua população ativa.
Eles vinham das cidades-dormitório
densamente povoadas fronteiriças à
capital, ou das pequenas cidades loca-
lizadas a até cem quilômetros do anel
viário (MK AD), e gastavam entre 40 e
240 minutos em seus trajetos diários
de ida e volta.^5 Áreas comerciais, gran-
des consumidoras de terrenos, surgi-
ram nos arredores das cidades-dormi-
tório. Em Khimki, por exemplo, um
subúrbio a noroeste da capital, em
2000 foi inaugurada a primeira loja
Ikea; em 2002 apareceu a Auchan.
Centenas de redes varejistas russas e
estrangeiras logo acompanharam o
anel viário, no entroncamento com as
rodovias federais, para maximizar
suas áreas de captação.
O desenvolvimento do acesso ao
automóvel individual, com a queda
da União Soviética, implicou impor-
tantes reconfigurações do tecido ur-
bano. Coisa rara em uma grande ci-
dade europeia do final do século X X,
a taxa de motorização disparou: en-
tre 1993 e 2016, ela passou de 113 para
308 carros para cada mil habitantes,
e isso em uma cidade cujo plano ge-
ral, em 2000, não previa mais do que
8,5 milhões de habitantes até 2025 – e
hoje tem 13 milhões. Consequência
lógica: o transporte em Moscou está
entre os mais saturados do mundo.^6


A nomeação de Sobyanin, ex-che-
fe da administração presidencial
(2005-2008) que se tornou vice-pri-
meiro-ministro da Rússia (2008-
2010), em 2010, significou uma ruptu-
ra. Com a designação de altos
funcionários federais para a lideran-
ça dos principais departamentos da
administração municipal, Moscou,
após dezoito anos de relativa autono-
mia política, voltou à esfera de in-
f luência federal. O movimento foi
acompanhado, alguns meses depois,
pelo anúncio de uma nova política
urbana voluntarista. Em 17 de junho
de 2011, durante o Fórum Econômico
Internacional de São Petersburgo, o
presidente Dmitry Medvedev anun-
ciou que queria ampliar os limites do
município de Moscou e transferir as
principais instituições federais – es-
pecialmente o Parlamento e o Minis-
tério Público – para os territórios
anexados, dentro de um vasto distri-
to administrativo, a fim de libertar o
centro da cidade de suas atividades
burocráticas.
“Os negócios sempre querem es-
tar perto do governo, dos ministérios
e dos órgãos governamentais”, afir-
mou Sobyanin. Ele estava convenci-
do de que o novo território funciona-
ria como um ímã de investimentos e
seria o principal instrumento de sua
política de reorientação dos f luxos de
transporte.^7 Instados pelo presidente
a estabelecer o território sobre o qual
se projetaria a capital, Sobyanin e Bo-
ris Gromov, então governador da re-
gião de Moscou, identificaram uma
área de quase 1.480 quilômetros qua-
drados no eixo sudoeste, que multi-
plicaria o tamanho total da cidade
por 2,4. O território, apelidado de
“Nova Moscou”, era então povoado
por apenas 232 mil habitantes, pro-
metendo à capital perspectivas de
desenvolvimento consideráveis.
Após a anexação, efetivada em 1º de
junho de 2012, Moscou, com seus
2.561 quilômetros quadrados (25 ve-

zes a Paris intramuros), tornou-se a
sexta maior cidade do mundo em
área, com uma densidade média de
4.919 habitantes por quilômetro qua-
drado, isto é, duas vezes menos do
que antes da anexação, por uma ma-
nobra puramente estatística.

As autoridades russas compara-
ram alegremente a Nova Moscou à
Grande Londres (1999) ou à Metrópo-
le da Grande Paris (2016). No caso
britânico, há um escalão administra-
tivo extra que controla a capital e a
Grande Londres. O prefeito de Lon-
dres, Sadiq Khan, detém a maior par-
te do poder sobre essa estrutura. Já a
Metrópole da Grande Paris é, ao con-
trário, um mecanismo de coordena-
ção de 131 municípios. Ambas as
configurações diferem amplamente
do caso de Moscou, uma vez que a ca-
pital russa absorveu, antecipada-
mente, territórios ainda pouco urba-
nizados. A comparação com Hanói,
outra cidade pós-comunista que, em
2008, triplicou sua área por meio da
anexação da província vizinha de Hà
Tây, seria com certeza mais pertinen-
te, porém menos prestigiada...
Para planejar a organização desse
novo território, a prefeitura de Mos-
cou lançou, em janeiro de 2012, uma
grande consulta internacional, com
dez equipes candidatas. A empresa
norte-americana Urban Design As-
sociates venceu o concurso. Ela pro-
pôs articular doze “clusters funcio-
nais” (industrial, administrativo,
comercial, hospitalar, educacional,
científico, turístico, logístico etc.) em
torno do novo centro administrativo

federal. Concebido para 1,7 milhão
de pessoas e destinado a criar 800 mil
empregos, o projeto previa conectar a
Nova Moscou à “cidade velha” por
meio de um sistema de transporte rá-
pido e eficiente.
A maior parte do projeto, porém,
não passou de prospectos brilhantes.
Sem ter sido oficialmente cancelada,
a mudança das instalações das insti-
tuições políticas despareceu da pau-
ta. Diante da imprensa, os funcioná-
rios diziam que Putin (reeleito em
2012) queria priorizar o financia-
mento da cúpula da Cooperação Eco-
nômica Ásia-Pacífico (Apec) em Vla-
divostok, em 2012, e os Jogos
Olímpicos de Sochi, em 2014.
Sem as instituições federais, a
Nova Moscou se tornou um paraíso
para os construtores, assim como
sua colega francesa após o projeto
Grand Paris Express.^8 Prova disso é o
balé ininterrupto das máquinas. As
oito estações de metrô construídas
para ligar a nova cidade à rede exis-
tente são formidáveis geradoras de
mais-valia fundiária. E mais dezes-
sete estações devem ser inauguradas
até 2035. De acordo com a prefeitura,
mais de 14 milhões de metros qua-
drados de moradias e mais de 4,3 mi-
lhões de metros quadrados de espa-
ços comerciais já foram construídos.
A população da Nova Moscou passou
de 232 mil pessoas em 2012 para 404
mil em 2020, um aumento de 74%.
No mesmo período, dados oficiais
anunciam a abertura de 170 mil pos-
tos de trabalho. Mas já se observam
os primeiros casos de congestiona-
mento das redes. A imprensa local
noticia pontualmente engarrafa-
mentos ou saturação dos metrôs nes-
sas áreas, já que seus habitantes vão
ao trabalho no centro graças às no-
vas estações, às quais costumam
chegar de micro-ônibus.
Diante da paralisação do plano de
mudança das instalações das insti-
tuições, o prefeito de Moscou mudou

De 8.280 habitantes por
quilômetro quadrado em
1989, a densidade demo-
gráfica de Moscou passou
para 10.681 em 2010

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