National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1

inquéritos, nas cinco semanas decorridas após a
sua morte em Maio, 15 a 26 milhões de pessoas
participaram em manifestações públicas e
milhões de outras, em todo o mundo, juntaram-
-se em solidariedade.
“A escala das manifestações de protesto a
que assistimos não tem precedentes”, disse
Deva Woodly, professora associada da Nova
Escola de Investigação Social em Nova Iorque.
“São esforços coordenados que estão a acon-
tecer em todo o lado, em cidades, subúrbios e
zonas rurais. Em mais de 40% dos condados
norte-americanos, houve uma manifestação
do movimento Black Lives Matter.”
Um ponto de ruptura com mais de quatro
séculos de idade foi finalmente atingido quan-
do o mundo se viu obrigado a enfrentar a ver-
dade brutal: as vidas dos negros não têm sido
importantes. O caso de Floyd privou finalmen-
te os alegremente indiferentes do privilégio
da ignorância.
A vida de Floyd pode não ter sido importante
para alguns. A sua morte foi importante para
muitos. Jovens da América rural, estudantes
brancos ricos e multidões de pessoas comuns
juntaram-se em solidariedade aos fundadores
do Black Lives Matter e aos activistas dos direi-
tos civis de todo o mundo, apelando à justiça
racial e social. Os laços que nos unem enquan-
to seres humanos foram forjados no ar tão
cruelmente roubado a Floyd.
A COVID-19 mudou radicalmente muitos
dos nossos comportamentos sociais, mas irá
ela mudar também os valores das nossas cul-
turas? As lições da história contemporânea são
encorajadoras. Ao longo do século passado,
registaram-se grandes avanços em matéria de
direitos humanos e progresso social imediata-
mente após mortes horrendas e terríveis episó-
dios de agitação social.
As mulheres norte-americanas conquista-
ram o direito ao voto no rescaldo da devastação
da Primeira Grande Guerra e da pandemia da
gripe de 1918. As crises gémeas abriram as por-
tas do mercado de trabalho norte-americano
às mulheres e expuseram injustiças de género
que eram impraticáveis quando a guerra aca-
bou e a gripe abrandou.
A Organização das Nações Unidas, dedicada
a manter a paz entre os países e a promover os
direitos humanos e sociais, foi fundada pouco
depois da Segunda Guerra Mundial. Continua a
ser um árbitro do conflito e das disputas globais.


Ossoldadosnorte-americanosne-
gros, regressados daquela mesma
guerratravadacontraa tiraniae o fas-
cismo,foramumcatalisadorprecoce
e poderosodomovimentodosdirei-
toscivise daaboliçãodesistemasen-
raizadosderacismolegalizado.
Agora, outra crise grave persis-
te devidoàsinvestidas incansáveis
deumvírus.Elaexigeumareacção
universal.ACOVID-19começoupor
atacarosmaisvulneráveisentrenós
e depois ganhou forças, saltando
para as cavalitas dos mais fracos,
paranosatacardeformaindiscrimi-
nada.Casosdovíruscontinuarama
apareceremtodoomundo.Ovírus
investiu implacavelmente sobre os
problemas de saúde previamente
existentese asdesigualdadessociais
alimentaramuminfernoglobal.
Sãoclarasasliçõesaretirarpara
o fundo:exigirmudançae trabalhar
emproldajustiçaglobalsãoasme-
lhores esperançasde sobrevivência
dahumanidade.
Estamostodosligadosàslavadei-
rasnegrasdoBrasil.Estamosuniver-
salmentevinculadosa trabalhadores
essenciais não valorizados, como
Jason Hargrove, que continuou a
conduzir umautocarro em Detroit
atépoucosdiasantesdemorrerde
COVID-19.
Comumelevado custohumano,
financeiro (6) e social, o coronaví-
rus ilumina os laços inextricáveis
quenosunema todos.Pessoasque
hámuitosãoinvisíveisdemonstra-
ramserindivisíveis.
“OJasonsempretomoumedidas
concretasparagarantira segurança
dosseuspassageirose a higienização
doseuautocarro”,disseDeshasobre
oseufalecidomarido.“Elepreocu-
pava-se com a protecção dos seus
passageirose,emtroca,ospassagei-
ros protegiam-no dos desordeiros.
Elessabiamqueestavamtodosjun-
tosnomesmoautocarro.”
A morte pôs este espelho incle-
mentenonossorosto:estamostodos
juntosnomesmoautocarro. j

6.
Segundo
um grupo
ligado ao
mundo do
trabalho,
calcula-se
que terão
sido
perdidos
400
milhões de
empregos
em todo o
mundo
devido à
COVID-19,
empur-
rando
possivel-
mente meio
milhão de
pessoas
para a
pobreza. As
mulheres e
os jovens
são os mais
afectados.

A NOSSA HUMANIDADE À PROVA 79
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