National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1
DOSSIER:
ESTADOS UNIDOS

“Ela era mais do que um
número, era uma pes-
soa”, diz Biba Adams, de
Detroit, fotografada com
a filha, Maria Williams, e a
neta, Gia. A mãe de Biba,
Elaine Head, morreu de
complicações causadas
pela COVID-19 na Prima-
vera, com 70 anos. “Ainda
era relativamente nova
para quem tem saúde”,
diz Adams. “Poderia ter
vivido mais 20 anos.”

UANTOS NÚMEROS já tentou fixar nos meses que se
passaram desde que tudo isto começou? Quantas
contagens de casos, percentagens de risco, taxas de
infecção por milhão de habitantes, actualizações
diárias do número de óbitos?
Uma pandemia é uma história contada com
enxurradas de números. Na redacção do jornal
“Detroit Metro Times”, onde trabalhava como
redactora, Biba Adams foi interiorizando nú-
meros atrás de números, à medida que o novo
coronavírus se propagava, saindo da China,
atravessando a Europa, entrando nos Estados
Unidos e por fim no “seu” Michigan. Na segun-
da semana de Março, as autoridades de saúde
confirmaram os primeiros casos de COVID-19
em Detroit. Alguns dias mais tarde, a mãe de Biba quei-
xou-se de tosse.
Wayne Lawrence conheceu Biba Adams em Junho, en-
quanto visitava três cidades dos EUA para fotografar as
pessoas enlutadas pela pandemia: mulheres e homens
contaram-lhe o que custara perder um ente querido de-
vido à COVID-19 ou a complicações relacionadas com a
doença. Naquela altura, o vírus já matara a mãe de Biba
Adams. Matara também a tia e a avó. Programas de rádio
e de televisão puseram Biba no ar e, sempre que falava,
expressava dor e fúria. Se os líderes políticos se tivessem
comportado de outra forma quando receberam os pri-
meiros avisos, disse Biba repetidamente, talvez as suas
parentes ainda estivessem vivas.
“Perder a mãe doeria sempre”, disse Biba Adams numa
conversa telefónica no final de Julho, quando o número
de mortes devido à pandemia nos EUA estava no limiar
de 150.000. “Perdê-la no meio de 150.000 pessoas é ainda
mais doloroso. Não quero que ela seja apenas um núme-
ro. Ela tinha sonhos que queria concretizar. Era uma pes-
soa. E eu vou manter o seu nome vivo.”
Elaine Head. É esse o nome da mãe de Biba Adams. To-
das as fotografias de Wayne Lawrence captaram pessoas
enlutadas porque os rostos, tal como o nome dos mortos,
são tão importantes como os números. O jovem, com os
braços em redor da noiva, chama-se Derrick Chaney e é
caldeireiro numa fábrica de produtos químicos. Conta
que o irmão mais velho, Marsha Chaney,tinha 35 anos
quando morreu de COVID-19 na unidadedecuidadosin-
tensivos de um hospital.

Q


TEXTO DE CYNTHIA GORNEY

(Continua na pg. 90)


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