National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1
“Cessação do movimento”. Esta
expressão do presidente queniano
Uhuru Kenyatta ao decretar o con-
finamento no seu país foi estranha-
mente poética. Durante algum tempo,
região a região, parecia que o mundo
inteiro tinha parado em 2020. As ave-
nidas vazias. O comércio encerrado.
Um quarteto de Barcelona a tocar Puc-
cini numa sala de ópera cheia de vasos
de plantas.
Porém, mesmo aqueles que podiam
permanecer em casa conseguiam ver
que o movimento não cessara por
completo. As ambulâncias continua-
vam em movimento, as urgências e os
cuidados intensivos trabalhavam fre-
neticamente. Uma massa enorme de
trabalhadores e pessoas desfavorecidas
continuou a enfrentar diariamente o
perigo de contágio por coronavírus por
não ter outra hipótese. (2)
Como Robert Kunzig escreve sobre as
repercussões da pandemia no ambiente,
a poluição atmosférica já está a recupe-
rar e, este ano, a tundra siberiana ardeu.
“Irá a experiência da COVID-19 mudar,
de forma duradoura, a maneira como
tratamos este planeta, no qual quase oito
mil milhões de seres humanos lutam
para sobreviver?”, pergunta. “Como seria
se as economias do mundo fossem geri-
das dentro dos limites estabelecidos
pela natureza?”
O ano também fez surgir novos guer-
reiros, como recordam vários testemun-
hos nesta edição. Pessoas dispostas a
colocar as malditas máscaras na cara e
a fazer o possível para liderar, consolar
e cuidar dos outros à sua volta, mesmo
quando os outros estão na iminência
de sucumbir.
Como seria se substituíssemos as
palmas dirigidas aos trabalhadores
subitamente rotulados como “essen-
ciais” por salários mais altos, mais
protecção e benefícios de saúde garan-
tidos? Como seria se nos forçássemos
por ler os números da infecção, não
para reavaliar os nossos próprios riscos,
mas para aceitar a miséria despropor-
cional que a pandemia provocou nas
famílias e nas latitudes desprotegidas.
Como seria se olhássemos de perto
os rostos enlutados pela COVID-19
quando é mais confortável desviar
os olhos?
Aquela criança de Detroit? Chama-
va-se Skylar Herbert. A mãe é polícia, o
pai bombeiro. Tinha 5 anos. j

2.
Cerca de
metade dos
trabalhado-
res norte-
-americanos
não podem
trabalhar
em casa,
pelo que,
provavel-
mente,
ficarão atrás
dos que
podem,
comenta
Nicholas
Bloom,
economista
da Univer-
sidade de
Stanford.
A situação
será “uma
bomba-
relógio para
a desigual-
dade”.

Quando se reformou,
Chester Lovett, um
antigo carteiro, esperava
passar algum tempo com
os dez filhos. Chester
morreu devido a com-
plicações associadas à
COVID-19. Com as regras


da pandemia, apenas
dez pessoas puderam
comparecer no funeral.
Após o serviço fúnebre,
o irmão soltou uma
pomba para simbolizar
o espírito de Chester a
levantar voo.
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