National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1
TEXTO DE SUSAN GOLDBERG FOTOGRAFIA DE CHRISTIAN K. LEE

Contemplando um mundo refeito


DESDE O INÍCIO DO ANO, o novo coro-
navírus alterou a vida tal como a conhe-
cíamos. Em todo o mundo, um número
impressionante de pessoas contraiu
COVID-19 e um número crescente de
pessoas morreu. Nenhuma parte da vida
ficou intocada: o trabalho, a escola, a
vida familiar. Tradições como forma-
turas e funerais mudaram, tornando-se
quase irreconhecíveis.
Esta edição foca-se na forma como
a pandemia alterou o nosso mundo e
como poderá alterar a forma como pen-
samos e agimos no futuro.
Penso muito sobre o modo como
esta crise afectará o futuro das crianças.


Durante as videochamadas que realizámos desde que
começámos a trabalhar em casa em Março, vi filhos
pequenos de colegas em segundo plano (e ocasional-
mente em primeiro plano). Preocupa-me pensar de
que modo serão afectados academicamente depois
de terem sido empurrados para o ensino à distância.
Preocupam-me ainda mais os adolescentes que não
vejo durante as videochamadas: crianças às quais as
escolas forneciam computadores adequados e acesso
à Internet e uma refeição (ou mais) por dia. Espero que
a ajuda prossiga, mesmo que as escolas permaneçam
fechadas. E espero que esses jovens sejam suficiente-
mente resilientes para recuperarem.
Penso também nos jovens que estavam a atingir o
seu potencial quando chegou a pandemia, destruindo
tantos sonhos. Esses jovens com 18 a 25 anos enfren-
taram desafios desde o nascimento. Cresceram na
transição para o século XXI, marcado pela ameaça do
terrorismo e treinando desde o ensino básico exercí-
cios de protecção em cenários de tiroteio na escola.
A recessão de 2008 atingiu duramente muitas famílias
e os alunos acumularam dívidas para pagar a facul-
dade. E agora são confrontados com o cancelamento
dos estágios, com a rescisão das ofertas de trabalho,
os estágios cancelados e um “ano sabático” não pla-
neado. É um presente envenenado.
Talvez não. Recentemente li um ensaio sobre 2020
escrito por Cate Engles, que concluiu os estudos em
Maio numa escola particular do Ohio. À semelhança
das turmas do último ano do secundário dos Estados
Unidos, a dela “foi imediatamente lançada num mundo
que não se importava com as tradições dos alunos fina-
listas, com as médias e planos para a faculdade”, escre-
veu. Não havia pompa, só circunstâncias inesperadas.
A entrada na faculdade ficou adiada por um ano.
“Em vez de se preocupar com vestidos e corpetes, a
nossa geração dedicou os fins-de-semana a lutar por
justiça onde ela já deveria ter sido exercida há muito
tempo”, escreveu. Cate espera que o resultado deste
movimento se traduza em “artigos jornalísticos sobre o
impacte que esta geração teve no mundo e não na pista
de dança”. Estou certa de que não tinha essa tolerância
ou sabedoria aos 18 anos. A mesma determinação
encontra-se expressa por muitos protagonistas desta
edição, os novos heróis da sociedade contemporânea.
Obrigado por ler a National Geographic. j

EDITORIAL

1

Em Killeen (EUA), familiares cercam Demario Title,
de 19 anos, envergando parte da indumentária que
ele planeava usar no baile de finalistas da escola em
Maio. O evento foi cancelado devido à COVID-19.

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