National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1
Nacional para as Doenças Alérgicas e Infecciosas
dos EUA, chamou o seu “pior pesadelo”. Em pri-
meiro lugar, ninguém na Terra possuía imunidade
quando ele apareceu. Em segundo lugar, é trans-
missível pelo ar e infecta as vias respiratórias supe-
riores, o que significa que é rapidamente expelido
de volta para o ar e pode flutuar à deriva, passando
de pessoa para pessoa. Em terceiro lugar – aquela
que é, provavelmente, a sua pior característica –,
o vírus é mais contagioso antes de provocar sinto-
mas, o que significa que os portadores se sentem
bem precisamente durante o período em que há
mais probabilidades de nos infectarem.
Os truques utilizados por este vírus para frus-
trar o contra-ataque do organismo são diabolica-
mente eficazes. Uma vez no interior, por via na-
sal ou bucal, o coronavírus ultrapassa a primeira
linha de defesa imunitária, infiltra-se facilmente
nas células, gera cópias de si próprio e assegura-
-se de que essas cópias funcionam, utilizando
um mecanismo de correcção que muitos outros
vírus nem sequer possuem. Consegue transfor-
mar as células pulmonares de um ser humano
em material inútil, semelhante a vidro tritura-
do, rebentar os vasos sanguíneos ou destruí-los
por meio de coágulos microscópicos, e avariar os
mecanismos internos de um rim, do coração ou
do fígado, tornando-os demasiado rígidos para
serem reparados. Pode minar as células que ata-
cam os vírus invasores e, em seguida, provocar
uma reacção imunitária secundária que se des-
controla gravemente, acabando paradoxalmen-
te por causar a sua própria catástrofe. (2) E qual-
quer pessoa que entre em contacto próximo com
uma pessoa já infectada pode provavelmente
ficar também infectada.

A mudança no conselho dado so-
bre as máscaras assustou-me. Não
por força do novo conselho em si – es-
tava mais que disposta a usar másca-
ra, se os peritos me diziam que devia
fazê-lo – mas devido à sinistra meta-
mensagem que pressentia estar-lhe
subjacente: os cientistas estavam a
tentar perceber a crise em cima do
joelho. De repente, as opiniões mais
credíveis, emitidas pelos peritos mais
inteligentes do mundo, começaram a
parecer pouco mais do que palpites,
por bem-intencionados que fossem.
Vale a pena fazer uma pausa e re-
flectir sobre o efeito de longo prazo
de vermos os cientistas a tactearem
hipóteses, procurando uma forma de
compreender melhor o coronavírus e
de combater a doença por ele causada,
a COVID-19 – em público e a uma ve-
locidade alucinante. Até para uma fã
da ciência como eu, tem sido inquie-
tante observá-los a discutir, discordar,
rodopiar sobre si mesmos e reavaliar.
Já dei por mim a desejar que algum
herói vestido com uma bata de labo-
ratório varresse a doença e a fizesse
desaparecer. Em 1955, quando Jonas
Salk introduziu a sua vacina contra
a poliomielite e venceu uma doença
terrível, eu ainda era bebé. Desde en-
tão, a minha mãe mencionou sempre
o seu nome com reverência. (1)
Enquanto a comunidade científica
procura denodadamente libertar-nos
de uma epidemia aterradora, aparen-
temente intratável, poderá haver ou-
tro final feliz que nos proporcione não
apenas a sobrevivência, mas também
a sabedoria. Se retirarmos alguma li-
ção importante desta triste experiên-
cia, espero que possamos confiar no
processo científico como apoio para
a superação de uma crise existencial.

NÃO VALE A PENA enganarmo-
-nos: o desafio é enorme e iné-
dito. O coronavírus conhecido
como SARS-CoV-2 alia uma enorme
capacidade de contágio a uma natureza
letal, numa mistura feroz a que
Anthony Fauci, director do Instituto

Ciência Medicina

Religião

Empresas
Governo

Já na pandemia(Abril 2020) Militares
30

40%

0

10

20

Antes da pandemia
de coronavírus
(Janeiro 2019)

*
*

*

Norte-americanos que
afirmam depositar
muita confiança nos
líderes destas áreas de
conhecimento, antes
e depois do surto de
coronavírus.
*ALTERAÇÃO ESTATISTICAMENTE INSIGNIFICANTE
DIANA MARQUES FONTE: CARY FUNK, CENTRO DE INVESTIGAÇÃO PEW

1.
O vírus da
poliomie-
lite podia
tornar as
crianças
paralíticas
e causou
pânico todos
os verões,
levando ao
encerra-
mento de
acampa-
mentos e
de piscinas.

2.
A reacção
imunoló-
gica exa-
cerbada,
conhecida
por “tem-
pestade de
citocinas”,
também
se observa
no herpes,
no Ébola,
e noutros
vírus, bem
como no
cancro e
em doenças
auto-
-imunes.

18


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