National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1
Por vezes, contudo, a ciência não
pode ser apressada. “Existe uma es-
pécie de sorte imprevisível na iniciati-
va científica”, disse-me Gregg Gonsal-
ves. “A rapidez e a escala do que está
a acontecer actualmente poderão ser
apenas um prelúdio das descobertas
fortuitas que vamos ter de fazer num
período de tempo mais longo.”

DE SEGUIDA, telefonei a Howard
Markel, director do Centro para
a História de Medicina da Uni-
versidade de Michigan. Aparente-
mente, o coronavírus mudava de forma
de uma maneira aterradora. Parecia
que, todos os dias, eu abria o jornal e lia
que mais um sistema de órgãos poderia
ser afectado pelas suas acções devasta-
doras ou que um novo grupo etário
também era vulnerável. Howard,
porém, contou-me que isso era mais do
que previsível: a explosão de sintomas
novos e variados acontece sempre que
qualquer vírus altamente contagioso
entra repentinamente em cena.
“Quanto mais material clínico e
mais doentes temos, mais probabi-
lidades existem de observar essa na-
tureza polimorfa”, afirmou. Foi o que
aconteceu nos primeiros tempos da
Sida, na década de 1980. Na alvorada
de qualquer nova doença, não param
de surgir manifestações estranhas
que surpreendem os médicos. Mes-
mo que as probabilidades de surgir
um sintoma raro sejam, por exemplo,
apenas de uma para mil, os médicos
vão observá-lo com muita frequência
porque um milhar de doentes pode
acumular-se praticamente de um dia
para o outro numa doença nova.
Por isso, as reviravoltas e as mudan-
ças nas declarações públicas sobre
a COVID-19 não são sinais de que os
cientistas se encontram atordoados:
são sinais de que os cientistas estão
a gerar uma torrente de nova infor-
mação, tentando perceber a doença à
medida que vão progredindo.
Por último, telefonei a um velho
amigo, Stephen Morse, professor de
epidemiologia na Escola de Saúde

4.
Em 1989,
Stephen
Morse
organizou
a primeira
conferên-
cia dos
EUA sobre
vírus emer-
gentes, na
esperança
de dar aos
cientistas
ferramentas
de previsão
da próxima
epidemia
viral.

NUNCA SE VIRA NADA ASSIM: OS CIENTISTAS
PARTICIPARAM EM COLABORAÇÕES
INTERNACIONAIS, A TODO O VAPOR, APESAR
DE OS POLÍTICOS CONTINUAREM A
DISPARAR UNS SOBRE OS OUTROS.

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