National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1
REPENSANDOONOSSOMUNDO 39

Essesentimentopartilhadodevulnerabilida-
depoderáabrirosnossoscoraçõesà necessida-
dedetransformaronossomundoparaobem
comum.Tambémpoderálevar-nosa olharpara
asoutraspessoascomomerasameaçase fazer-
-nosansiarpeloregressoà normalidadevivida
antesdapandemia– commaismurose menos
viagensaéreas,talvez,maspraticamenteo mes-
mograudedestruiçãoambiental.A formacomo
ofuturosedesenrolanãopodeserprevista.É
algoqueconstruímos.Esteano,enquantopas-
seavaa pépelamontanhaRede olhavaparao
vale,nãomefoidifícilterpresenteessaverdade
banal,masessencial.

NO INÍCIO, no meio da dor e do sofrimento,
houve vislumbres de um
mundo mais verde.
O encerramento da actividade
económica teve um efeito notório
na poluição atmosférica. A maior
pureza do ar não era só bonita: na
China, entre meados de Fevereiro
e meados de Março, evitou cerca
de nove mil mortes, ou mais,
segundo cálculos de investigado-
res da Universidade de Yale, apro-
ximadamente o dobro do número
de mortes causado pelo coronaví-
rus na China. No entanto, esse
decréscimo foi apenas temporá-
rio. Chegado o mês de Julho, a
economia chinesa retomara a
actividade e a poluição era pior do
que no ano anterior.
A redução das emissões de carbono também
foi acentuada a nível mundial, chegando a atin-
gir 17%, no início da Primavera. Mas também aí
houve um retrocesso e, segundo cálculos dos
investigadores, em todo o ano de 2020 essa re-
dução não será superior a 8%, dependendo
do rumo da pandemia. Por um lado, há uma
grande queda: isto mostra que, com uma arma
apontada à cabeça, somos capazes de parar de
conduzir e de voar. Por outro lado, o nível de
dióxido de carbono continuou a aumentar este
ano, embora mais vagarosamente. Para man-
ter o aquecimento global a que temos assistido
desde o século XIX abaixo do limite acordado a
nível internacional de 2ºC, teríamos de reduzir
as emissões a quase zero o mais tardar em 2070.
Isso exigiria declínios semelhantes ao de 2020
todos os anos, durante várias décadas.

3.
Na América
do Norte, a
população
total de
aves
diminuiu
29% desde
1970,
segundo as
conclusões
de um
estudo de


  1. Foi
    uma perda
    de quase
    três mil
    milhões
    de aves.


E o que dizer das aves que, como se
noticiou ao longo deste ano, se mos-
traram excepcionalmente sonoras e
felizes por todo o lado? Também re-
parei nelas e fi quei ansioso por voltar
a falar com o ornitólogo que me ins-
pirara a aprender algumas das suas
canções. Mario Cohn-Haft trabalha
no Instituto Nacional de Investigação
Amazónica, em Manaus, no Brasil,
uma cidade que tem sofrido muito
com a pandemia. Ele conhece bem
a Amazónia e sabe de cor as voca-
lizações de mais de mil aves. Mario
desvalorizou toda a conversa sobre a
recuperação dos animais selvagens.

“Aquilo que tenho visto é um de-
clínio constante da abundância e di-
versidade das espécies, ao longo dos
30 anos que aqui passei”, disse, recor-
dando que Manaus cresceu, transfor-
mando-se numa metrópole industrial
com dois milhões de habitantes. (3)
A pandemia não mudou nada. Mario
temia até uma reacção negativa con-
tra os animais selvagens, começando
pelos morcegos, os transmissores do
novo coronavírus. “As relações da hu-
manidade com a natureza sempre fo-
ram ambivalentes” disse. “Este tipo de
acontecimento promove medo.” Este
ano a desfl orestação da Amazónia foi
mais grave do que em 2019, ano em
que se acentuara de forma dramática.

SAIA E FIQUE
LÁ FORA

REPENSANDO
O NOSSO
MUNDO

Os parques nacionais dos EUA sofreram
uma redução dramática do número de
visitantes na Primavera passada, mas os
números recuperaram mais tarde,
juntamente com as vendas de autoca-
ravanas e bicicletas. A instituição Leave
No Trace Center for Outdoor Ethics diz
que os praticantes de actividades de
lazer afirmaram ter passado mais
tempo ao ar livre este ano e trocaram
desportos de aventura que exigissem
viajar por actividades mais próximas de
casa como a observação de aves, a
jardinagem e o ciclismo. Muitas
cidades encerraram o trânsito em
algumas ruas para criarem espaço para
jantares ao ar livre, eventos públicos e
parques. — DANIEL STONE

ILUSTRAÇÕES: RACHEL LEVIT RUIZ

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