National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1
REPENSANDOONOSSOMUNDO 47

E como conseguiremos lá chegar? O donut é
mais uma ideia do que um esquema. Para mu-
dar esse projecto é preciso uma transformação
cultural profunda, uma mudança colectiva das
mentalidades que a pandemia, por mais horrí-
vel que seja, poderá favorecer. “Acho que esta
pandemia está a empurrar-nos mais depressa
para o futuro que sabíamos que queríamos”, dis-
se Kate Raworth.
Poderíamos ter visto ténues premonições des-
se futuro este ano se estivéssemos predispostos
a isso. Poderíamos tê-lo visto na decisão tomada
em Janeiro pela BlackRock, que gere quase três
biliões de euros em activos, de começar a redu-
zir o investimento no carvão, embora ainda não
no petróleo e no gás. Também poderíamos ver
essa mudança na decisão toma-
da em Julho pela União Euro-
peia de investir 550 mil milhões
de euros em medidas climáticas
nos próximos sete anos, ou na
proliferação de ciclovias nas
ruas de cidades europeias e nor-
te-americanas. Ellen Davis viu-a
em Maio quando fez o seu dis-
curso no Festival da Homilética,
que contou com a participação
de milhares de pregadores cris-
tãos, que este ano se inscreve-
ram num curso de formação de
uma semana na Internet, para
aprenderem como pregar sobre
as alterações climáticas. Dois
terços dos norte-americanos
estão preocupados com o tema,
segundo um inquérito recente. É o mesmo nú-
mero de sempre, apesar da pandemia e apesar
da indiferença da actual presidência.
Há, porém, pontos de viragem sociais e climá-
ticos, concluiu uma equipa liderada por Ilona
Otto, do Instituto Potsdam, num artigo publi-
cado no início de Fevereiro. A mudança pode
começar numa sala de reuniões, no governo ou
nas ruas. Sempre que se inicia uma mudança,
por vezes, espalha-se de forma contagiosa, e as
pessoas são inspiradas pelo exemplo de outras.
Uma pequena minoria pode mover-nos a todos.
É claro que esses anjos de viragem podem não
ser os melhores. Neste ano terrível, sobretudo, o
medo pode facilmente conduzir-nos à viragem
no sentido de reduzirmos a despesa e recupe-
rarmos a situação anterior. Kate Raworth está a
centrar-se nas cidades, tentando convencê-las a


8.
No passado
mês de
Maio, 38
cidades
globais da
rede C40
comprome-
teram-se
a não
regressar
à “vida
normal”
enquanto
recuperam
de uma
pandemia
com
“raízes na
destruição
ambiental”.

“emergirem desta emergência” com
um novo rumo. (8) No início de Abril,
no meio do seu próprio confi namen-
to, Amesterdão tornou-se a primeira
cidade a adoptar o seu modelo de
donut, prometendo pensar em todos
os impactes de tudo o que faz. Para
começar, disse que iria reduzir para
metade o seu consumo de matérias-
-primas até 2030.
“As pessoas sentem-se atraídas por
histórias que lhes dêem esperança, que
lhes dêem esperança num futuro se-
guro no qual elas sejam importantes”,
disse Kate Raworth. “E nesta história
voltamos a ligar-nos ao mundo vivo,

voltamos a ligar-nos à nossa comuni-
dade e fazemos perguntas importan-
tes sobre o que signifi ca prosperar.”

EM 1963, quando Martin Luther
King, Jr., levou a campanha dos
direitos civis até Birmingham,
um ponto de viragem na luta contra a
segregação, decorrera exactamente um
século desde a proclamação da eman-
cipação de Lincoln. Decorrera igual-
mente um século desde que John T.
Milner abrira a primeira mina na mon-
tanha Red para fornecer ferro à confe-
deração. Em 1962, a U.S. Steel encerrou
a última. Durante 99 anos, aquela sec-
ção da cumeeira a sudoeste de Birmin-
gham fora devastada.

UM PLANETA,
DUAS CRISES

REPENSANDO
O NOSSO
MUNDO

O interesse público pelo aquecimento
global nos EUA atingiu um pico histórico
em Novembro do ano passado, segundo
investigadores das universidades de
Yale e George Mason. A grande maioria
dos norte-americanos acredita que o
aquecimento global causado pelos seres
humanos é real e sente-se preocupada
ou mesmo pessoalmente responsável.
Surpreendentemente, um inquérito
realizado em Abril concluiu que a
COVID-19 não alterara as preocupações
com o clima, embora tenha reduzido a
cobertura noticiosa do tema. “A questão
parece ter amadurecido”, afirmou
Anthony Leiserowitz, da Universidade
de Yale. “Parece-me um sinal muito
promissor.” — ROBERT KUNZIG
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