National Geographic - Portugal - Edição 236 (2020-11)

(Antfer) #1
REPENSANDO O NOSSO MUNDO 49

“Não havia nada naquela montanha” nessa
altura, disse Wendy Jackson, antiga directora da
Freshwater Land Trust, uma organização am-
biental local. “Não havia árvores. Nada, excepto
as instalações mineiras.”
Quando Wendy a visitou pela primeira vez,
por volta de 2004, há mais de quatro décadas
que a terra não era perturbada, excepto quando
as pessoas ali vinham despejar lixo. A fl oresta
voltara a crescer. O kudzu engolira as encostas
iluminadas pelo sol como uma maré verde e
revestira as fronteiras da fl oresta. Não era na-
tureza prístina, mas era um ressurgimento da
natureza. E, escondidos no meio dos bosques,
viam-se os poços arruinados das minas, pelos
quais um século de mineiros, brancos e negros,
desciam todas as manhãs para o interior da
montanha, seguindo o veio inclinado de miné-
rio de ferro a profundezas cada vez maiores. As
árvores cresciam pelas janelas e telhados caídos
das casas de banho em betão, onde os homens
lavavam a poeira vermelha à noite. Parecia “que
estávamos a tocar no passado de Birmingham”,
comentou Wendy.
Em 2005, ela e o Freshwater Land Trust nego-
ciaram um acordo com a U.S. Steel para comprar
450 hectares da montanha e transformá-la um
parque. O Parque da Montanha Red abriu em



  1. Nos primeiros anos, eu e a minha mulher
    fomos lá poucas vezes. Não sei porquê, mas
    não estava no nosso radar. (9) Então, chegou a
    pandemia. Agora fazemos uma caminhada no
    parque quase todas as manhãs de domingo.
    O parque fi ca dentro dos limites da cidade, mas
    é sufi cientemente grande para conseguirmos
    desaparecer na fl oresta e andar sozinhos com as
    aves e as cigarras. Quando o calor se faz sentir,
    descansamos sob a brisa fresca de uma entrada
    da mina. E com a indústria do aço tão diminuída
    e a existência de menos poluição automóvel, a
    vista ali do alto, sobre o vale, é mais límpida do
    que antigamente.
    No início de uma manhã deste Verão, fui pas-
    sear com Jerri Haslem, a primeira funcionária
    superior negra do parque, recrutada no ano
    passado. Nascera em Birmingham, em 1963, dis-
    se-me enquanto caminhávamos junto de uma
    pequena ferrovia que em tempos transportou
    minério de ferro para as fundições. Filha de um
    operário da indústria do aço, nasceu na ala da
    maternidade reservada a negros, na cave de um
    hospital, numa cidade que preferia ter os seus
    parques encerrados a eliminar a segregação.


9.
“A maior
ameaça
para o
ambiente é
o
afasta-
mento
entre as
pessoas e a
natureza”,
disse
Wendy
Jackson. “A
única forma
de
conservar-
mos algo é
gostarmos
dela.”

Nasceu dois dias depois de segrega-
cionistas brancos atacarem à bomba
a Igreja Baptista da Rua 16, matando
quatro meninas – um crime que aju-
dou a aprovar a Lei dos Direitos Civis.
Jerri Haslem acabara de renunciar
a uma carreira empresarial para tra-
balhar como oradora motivacional na
área da saúde, quando o director do
parque, T.C. McLemore, a convenceu
a ajudá-lo a tentar aumentar a sua in-
fl uência junto da comunidade. Nos
primeiros anos, o parque pretendia
ser um destino de aventura para ca-
minheiros, ciclistas de montanha e
montanhistas. “Era um parque para
as pessoas de Homewood”, disse Jer-
ri, referindo-se ao subúrbio predomi-
nantemente branco onde eu e a mi-
nha mulher vivemos. “Mas o parque
fi ca em Birmingham!”
A pandemia atingiu Birmingham
com força. Neste Verão, a cidade
enfrentava um buraco orçamental
de 53,5 milhões de euros por insufi -
ciência de receitas fi scais devido ao
encerramento de empresas. O vírus,
entretanto, progredia. O parque tam-
bém enfrentava um futuro complexo:
é uma parceria público-privada, mas
com pouco fi nanciamento público.
No entanto, a pandemia também foi
boa para o parque. O número de vi-
sitantes atingiu máximos históricos.
Segundo Jerri Haslem, foi visitado
como nunca pelos habitantes negros,
alguns dos quais chegando por uma
nova entrada, a norte: o lado de Bir-
mingham. Iam ao parque para saírem
de casa, para caminharem na nature-
za, “para ouvirem o raio dos pássaros”.
“Tem de haver muitas forças di-
ferentes”, prosseguiu Jerri Haslem.
Agora estávamos a falar sobre a ma-
neira como esta semente de novidade
poderá vir a prosperar. “Tem de ser
o governo, a comunidade, as pessoas
comuns, as pessoas ricas. Têm de ser
todos. Se forem apenas os pobres, não
vai resultar. Se forem apenas os ricos,
não vai resultar. Têm de ser todos.
E está a acontecer, de forma orgânica,
por causa da COVID.” j

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