Valor - Eu & Fim de Semana - Edição 1039 (2020-11-06)

(Antfer) #1
Sexta-feira,6denovembrode2020|Valor| 11

JairBolsonaro e
CelsoRussomanno,
quedisputaa eleição
para a Prefeitura de
SãoPaulopelo
Republicanos,
vinculadoà Igreja
Universaldo
ReinodeDeus

em algummomento podeencontrar as con-
diçõesespecíficaspara eclodiredesenvolver
aquilo que é da natureza das visões autoritá-
rias,queéeliminaraalternânciadepoder”.
Ela lembra que a laicidadeé uma das maio-
res contribuições do protestantismoao Esta-
do moderno,quando propôs aseparação en-
tre Estado ereligião. “A fé cristã não é um pro-
jeto de poderpolítico. Jesus não foi tomaro
palácio,Jesusfoiparaacruz”, dizMarina.
Para mostrarque os cristãos não são um
bloco monolítico e fazer contraponto ao pro-
jeto político-religioso de Bolsonaro, surgiu
em 2018omovimentoCristãos ContraoFas-
cismo. Um dos fundadores é TiagoSantos,
ex-pastorbatista,formadoemteologiaemes-
trandoemeducaçãonaPUCdoRioGrandedo
Sul.Omovimentocomeçouparafazercoroao
“Ele Não”, deflagradopelasmulheres, eaou-
trasmanifestaçõesqueseorganizavamcontra
Bolsonaro. “Havia contraponto ao discurso
político, contraaditadura e aretirada de di-
reitos.Masnãoexistiaumcontrapontoaodis-
curso religioso que dava a entender que todo
religiosoéconservadorefundamentalista.
Bolsonaro se colocou comoum escolhido por
Deus,eportanto não poderia ser questiona-
do.Éumdiscursomuitoperigoso”, diz.
Santos,candidatoavereadoremPortoAlegre
peloPsol,pormeiodeummandatocoletivo,ex-
plica que outroobjetivodo movimentoéresga-
tar a dimensãoda espiritualidadeque foi negli-
genciadapelasalasprogressistasdapolíticaefoi
apropriadapor conservadoresepopulistas.“Há
resistênciadentrodos partidosde esquerda.
Existeuma compreensãoum poucorasa da lai-
cidade,vista comoum Estadoateu, ondeéproi-
bidofalardereligião.MasagentemostraqueEs-
tadolaicoéaquelequenãoimpõeumareligião.
Há uma culturano Brasilque política,futebole
religiãonãosediscutem.Eoresultadoestáaí.”
Segundo ele, o Cristãos Contrao Fascismo
expandiu-se organicamente no país ejáreú-
ne cerca de 40 mil pessoas. Nestas eleições,
há 69 candidaturasem tornodessapauta —
algumas coletivas—,em17 municípios de
seis Estadosdiferentes.Omovimentoémais
um entrediversas manifestações cristãs e
evangélicas querepudiamogovernoede-
fendem a democraciae as minorias.
Tambémem 2018surgiu o movimento Ju-
deuspela Democracia, no esteio do manifes-
taçãodo “Ele Não”, e partiu da indignação de
judeus progressistas coma participação de
Bolsonaroem um eventono clubeHebraica,
durante a campanhapresidencial.Recusado
pelo clubeem São Paulo, Bolsonaro foi à He-
braicado Rio de Janeiro,onde, em discurso,
proferiu ataques aos quilombolas, dizendo
quenãoserviamnemparaprocriar.
“O que nos deixouperplexo nesse episódio


éque Bolsonaro falou aquelas barbaridades
comabandeiradeIsraelatrás.Issonãonosre-
presenta. Muitagenteacabacolocandoa co-
munidadejudaica no mesmobloco, comose
todosapoiassem aextremadireita”, afirma
Gui Cohen, um dos fundadores do movimen-
toecandidatoavereadorpeloPSBnoRio.Ou-
tro incômodo é aapropriaçãode símbolosju-
daicospelos evangélicos fundamentalistas,
que,segundoele,cultivamumaimagemdeIs-
rael muito diferente da multiplicidade eda
diversidadequeexistemdefato.
“O Estadoé laico,mas apolítica,não.Apartir
do momentoem que a políticase tornatenden-
ciosa,é precisoconquistaruma representativi-
dade,do contrárioa gentefica de fora”, diz Juba
Akel,candidataavereadorapeloPVemCuritiba
e mãe de santopequena(um postoabaixoda
mãe de santo)no PaiManeco, omaior terreiro
deumbandadoBrasil.Elacomparaolançamen-
to de diversascandidaturasligadasàs religiões
afrocomomovimentodasmulheres,quecome-
çaramaentrarna políticapara obtermais direi-
toserepresentaçãonasociedade.
SegundoJuba,faltamcondições mínimas
de segurança para os praticantesdereligiões
de matriz africana. “A intolerância aumentou
significativamente nos últimosdois anos, as
pessoasapanhamna rua, no terreiro,entra
genteno meioda nossagira gritando‘Sai, Sa-
tanás’. Não dá maispara ficar só fazendoreli-
gião,agentetambémterádefazerpolítica”.

Tambémem Curitiba,odeputadoestaduale
candidatoa prefeitoGoura(PDT-PR),converti-
do ao HareKrishna,entendeque movimentos
de religiosospela democraciasão bem-vindos,
desdeque preservema separaçãoentrea reli-
giãoeoEstado.“Naminhaexperiênciacomove-
readoredeputado, convivo com crucifixosno
cenárioe os trabalhoscomeçamcom o presi-
dentedizendo:‘Coma proteçãode Deusini-
cia-seasessão’. Eudiscordodesserito”, afirma.
Para Bonder, esses movimentospodem
funcionar comopesos e contrapesosàs ten-
dências corporativistas de cada grupo.“Te-
riamum papel intracomunitáriovoltadoa
seusagregados. No entanto,não acho que
devammilitar na sociedademaiorporque,
comobrasileiros, ninguémé democrático na
condição de judeu, evangélicoou cristão. So-
mos comprometidos comessesvalores por
nossacondição de cidadãos, e não por outros
vínculosidentitários.”
De todo modo, Christina Vital, da UFF, ob-
servanestas eleiçõesumaorganizaçãodepar-
tidosde esquerdaparaatraircandidaturas
cristãs, “em disputa por votos que pareciam
dominados por conservadorese cartolas reli-
giosose partidários”. Um indicativo de que o
anseio de hegemonia dos fundamentalistas
encontraráasurnascomoobstáculo.
Não responderamàreportagemDamares,
Crivella,Russomanno,aSecretariadeGoverno,a
IgrejaUniversaleopartidoRepublicanos.■

EDILSONDANTAS / AGENCIA O GLOBO
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