Valor - Eu & Fim de Semana - Edição 1039 (2020-11-06)

(Antfer) #1
Sexta-feira,6denovembrode2020|Valor| 13

“Abandonamosos
trabalhosdebasenos
movimentos
populares”, diz Frei
Betto, para quem
esseespaçofoi
ocupadopelasigrejas
evangélicasdeperfil
conservador

Frei Bettoprocurapreservaro ex-presi-
denteLuiz InácioLula da Silva de sua crítica
à esquerda.Para ele, Lula seguesendouma
vítimade umaarmaçãopolítica.“Nãosu-
bestimede modoalgumopotencialdo PT
de fazerocaminhode volta,mas houveer-
ros, sem dúvidas.Um dos errosfoi Antonio
Palocci”, referindo-seao ex-ministroda Fa-
zendaque, em 2017,fez delaçãopremiada
contraLula.“O militantede esquerdapode
perdertudo,menosamoral”,diz.
O“Diárioda Quarentena” de Frei Betto,
contudo,está longede ser uma obrasobre
política,emboratenhamuitapolíticanela.
A impossibilidadede familiaresvelarem
seusmortosna pandemiaéuma das cir-
cunstânciasque maisimpressionao frade
dominicano,que retomao assuntodiver-
sas vezesao longodo livro.
“Todosos povosritualizamadespedida
de seus mortos.Os rituaistêm valorsimbó-
lico, expressamem liturgias o que não con-
seguimos dizerem palavra. Agora,ovírus
nos roubatudoque traduznossoslaçosde
parentescoeamizade:visitaro enfermo,
consolá-lo e animá-lo,prepararo corpo
parao velórioefuneral,cumpriros rituais
de enterroou cremação, ver ocaixãodes-
cer ao túmulo, orar em conjuntopelo fale-
cido, manifestarcondolênciase abraçaros


mais afetados pelaperda”, escreve, por
exemplo, à página46.
Aperdadaliberdadepelocontrolesocial,
umapreocupaçãoqueestálongedeserape-
nas da esquerda,afloraà página85. “Seria
espantosaumaversãoatualde ‘1984’, de
GeorgeOrwell,em que todaa população
mundialfosseproibidade sair de casa,en-
viarosfilhosàescola,tercontatocomosen-
tesqueridosquenãovivemsobomesmote-
to. Um governoditatorialque fechasseto-
das as fronteirasdo país,controlassecada
cidadãopelo celularesoubesseexatamente
qual a porcentagemde pessoasque ontem
foramà rua. Ecuja políciamultasseou
prendessequem fosseencontradofora de
casa sem justificativaaceitável. No entanto,
tudoissoacovid-19tornourealidade.”
Ao chegarno dia 40 da quarentena,oau-
tor se arriscaa fazerum balanço. “Ignorose
o legadoda pandemiaserá um mundome-
lhor,menoscompetitivoe desigual,mais
solidárioejusto. Tenho dúvidas.Mineiro,
sou desconfiado.No séculopassado,ahu-
manidadepassoupor duasguerras,bom-
bas atômicas, terrorismo,aids, crisesfinan-
ceirasenemporissoficoumelhor.”
Um exemplodissoédado na página60,
quandoele cita o caso de uma moradorade
um prédioem São Paulo,que, ao chegara

seu carro,encontroupresoao para-brisa
umbilheteexigindoquesemudasse.“Suce-
dem-sedenúncias de corrupção,comoa
comprade respiradores superfaturadose
desviosdeverbaspúblicas(...)nossamaior
ameaçanão é a pandemia, é o pandemô-
nio”,comentaàpágina64.
Nessecontexto,nasuavisão,ogovernoBol-
sonaroéum grande complicador. “Umapes-
soaquesofredeobsessãofálicaem armas,de-
fendeatortura, exaltatorturadores e milicia-
nos”, chegaa escrever. E, na sua visão, não há
ameaçasériaaoprojetodepoderdopresiden-
te. “Os grandestranstornos que o governo so-
fre temvindo do Judiciário, não do Congresso
oudasruas”, dissenaentrevista.
O fim da quarentenaaparece comoine-
xorável ao comentaro83odia, em 9deju-
nho. “’Fiqueem casa éaordematodosque
habitamregiõesnas quaisa covid-19con-
tinuasomandovítimas, comoé ocaso do
Brasil.Mas quempodeficarem casa?”in-
daga.Não é o Brasil,ondeapenasum pe-
quenosegmentode privilegiados, no qual
ele se inclui,“está em condiçõesde não sair
à rua para garantira sobrevivência”.
Olivro termina no dia 90 da quarentena,
16 de junhode 2020.Na ocasiãoo país esta-
vacom45milmortospelapandemia,quase
aquartapartedoquetemhoje.■

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