Valor - Eu & Fim de Semana - Edição 1039 (2020-11-06)

(Antfer) #1

28 |Valor|Sexta-feira,6denovembrode2020


O


sáudiosdivulgadossobreoescân-
dalo envolvendo o jogador de fute-
bol Robinho trouxeramnovasevi-
dências sobreocaso e reacenderam
umdebatesobreatosviolentoscontramulhe-
res.Sópara lembrar: em uma boatena Itália,
em 2013,o entãocontratado do Milan ecinco
amigos levaramuma jovem embriagadapara
ocamarimeaviolentaram.Asconversasentre
ele e um amigo sugeremque oatleta se exime
deresponsabilidadesobreoseuato.
“Os carasestãona m. (...) eles vão ter pro-
blema,nãoeu...”, disseojogador.Segundoo
atacante,os cinco“caras”estavam em cima
da moça,enquantoele “apenas” colocou o
pênisem sua boca.Robinhofoi condenado,
em primeirainstância, anove anos,por
“violênciasexualem grupo”, mas adecisão
do Tribunalde Milãoaindanão é definitiva
efoicontestadapeladefesadoatleta.
Comparar-seaquem fez pior écomum en-
tre estupradores, constata Ana Paula Araújo,
jornalistaeapresentadora do “BomDia Bra-
sil” (Rede Globo) em “Abuso:A Cultura do Es-
tupronoBrasil”,recém-lançadopelaGloboLi-
vros. Usareufemismos comoflerte ediversão
no lugar de sexo à força, dizer que a vítima
“deu moleparaoazar”, provocoue consentiu
—mesmodesmaiadaou coagida —também

sãoartimanhasparaselivrardopesodaculpa
evalidarseusatospelasociedade.
“É comumesseshomens jogarema cul-
pa na vítimae não se veremcomoestupra-
dores,inclusivedizemacharestuprouma
coisahorrível”, afirmaAna Paula de sua ca-
sa, no Rio. Usamcomosalvo-conduto o fa-
to de avítimaestarembriagadaou de não
ter sido espancada.“No máximoacreditam
que só forçaramum poucoa barra.Isso va-
le paratodomundo, principalmentepara
os homensde classemédiae alta. É preciso
reverconceitos”, diz a autora.
“Estupro não é apenassobre sexo,mas so-
breanecessidade de demonstrar poder e
subjugaravítima”, afirma.Nosestuproscole-
tivosissosetornariaaindamaisevidente,um
atodeautoafirmaçãodiantedosparceirosali
presentesparticipandodomesmocrime.
SegundooFórumBrasileirode Seguran-
çaPública,umapessoaévítimadeestuproa
cadaoito minutosno Brasil.Comoapenas
10% dos casossão denunciados,estima-se
um númerobem maior.Mais de 80% das ví-
timassão mulheres,53% delastêm até 13
anosde idade.No caso dos garotosabusa-
dos,amédiaéde7anosdeidade.
O sensocomumdefineestupradoresde
criançascomopedófiloseabusadoresde

modogeralcomodoentesmentais.A jor-
nalistadismitifica essacrença. No livro,
contao caso de um homemque procurou
a psicanálise e conseguiuevitartornarreal
seu desejode violentaro próprioneto. Ou
seja, ele é pedófilo, mas não criminoso.
Segundopesquisas,diz Ana Paula, ma-
níacosem sériecostumamser psicopatas,
mas aprevalênciadestacondiçãona popu-
laçãoéínfima.O estuprador costumaser o
cidadãocomumacimade qualquersuspei-
ta, casado, com filhose trabalho.
“Pedofilianemconstano CódigoPenal,
o crimeé estuprode vulnerável, que abran-
ge tambémobrigarumacriançaa presen-
ciar cenasde cunhosocialecompartilha-
mentode fotos.Se odoentementalnão
atacarninguém,ele é apenasdoente”, diz.
“Por outrolado,amaior partedos estupra-
doresnão tem nenhumacondiçãopsiquiá-
tricaque justifiqueseus atos.São pessoas
covardes que escolhemalguémmaisfácil
de dominar, seduzire chantagear.”
Os criminososcostumamser próximosà
vítima,comoamigos,vizinhosou parentes.
Os pais estupradores,muitasvezes,se ou-
torgamodireitode desvirginar,ouemseus
termos, “inaugurar”asfilhas.Um exemplo
dolivroéocasodocasalcomcincofilhosna

COMPORTAMENTO


É comumhomensjogarema culpanavítimae nãoseverem


comoestupradores,dizAnaPaulaAraújo,querelatacasosem


novolivro. Por AdrianaAbujamra, para o Valor,deSãoPaulo


Várias faces


do abuso

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