Crescer - Edição 324 (2020-11)

(Antfer) #1
FOTO:CAUEMORENO/EDITORAGLOBO CRESCER 105

COLUNA –TRAVESSURASDEMÃE

ão se sintaculpado.
Ninguémsabe oque
fazer. Quando tudo
isso começou,fiquei
imaginando os caras
lá em cima falando,nossos novos
deuses, oshackersdo laboratóriodo
Grande Irmão:
–Vocês nãoentenderam?!Será
queeupreciso mandar umapande-
miaparavocêsentenderemque não
éparaconviver? Jálhes foidado
equipamentosuficiente para oisola-
mento! Será quevocêsprecisamde
umaquarentenaparaperceberisso?!
Éassusta dor. Masotempopas-
sou, eeufui mudandoacena da
minhaimaginação.
–Vocês nãoentenderam nada!
Precisava umapandemia, quefizes-
sevocêssentiremtantasaudadedos
amigos,dafamília,deabraçar,de
beijar,paravocês entenderemque
estãousandoerradoosseusbrin-
quedinhos?!Épara usar quando

precisa, enão ficar enfiadoscom o
nariznatela odia inteiro deixando
seusfilhoscairdaescada!
Agoraotempo passou de novo,e
alternoaimaginação.Ora eles me
vêmdeumjeito,oradeoutro.Mas
oque está bemclaro para mimé
queestaquarentena temnosdadoa
oportunidade de e ntender quepode-
mosusaratecnologiadeformamais
afetiv a. Nossasaudade inundouas
nossas conexões,eeutenho mesen-
tido ligeiramente vitoriosaquan-
do consigopercebere,por exemplo,
transformootelefonemaparaami-
nhamãe em chamadadevídeo,rápi-
da queseja. Suaimagemmeesquen-
ta ocoração ecanto vitória, dando
umabananaparaessaentidadetec-
nológica quemudou anossa vida,
acelerou onossotempo, rouboua
nossaplenitude,cultiva diaapósdia
anossa ansieda de evem comprome-
tendoseriamenteanossa gentileza e
anossa educação.Sigo, então, como
formiga, discreta, contando mínimos
pontos de vitórianas vezesque con-
sigo mais usar do queser usadapelo
brinquedodoGrandeIrmão.
Nãosesintaculpada. Ninguémsa-
be oque fazer. Aquarentenanos em-
purrou aindamaisparaavida virtual.
Os pais vivemummisto de amore

ódio pelo celular na mãodeseuspe-
quenos –afinal,oque seriadoisola-
mentoinfantilsemessajanelaassép-
tica?Eseguimosdesorie ntadosesem
forças para policiar otempo,deles e
nossos. Jogandoatoalha em muitas
noitesdecansaço,deixando
afamíliaabsortaemsua luzazul.
Nãosesinta culpada, masconti-
nueremando.Oquenão dá épara
parardefazerforça contra este rio
caudaloso eavassalador, porque o
precipícioégrande. Vitórias míni-
mas? Venhotentandoasminhas.
Aeternatentativa de diminuir o
tempo,mensagensmaiscuidado-
sas, carinhonas figurinhas,cha-
madasdevídeo no lugardetelefo-
ne,telefonenolugar de WhatsApp,
cançõesdeninar em áudioparaos
amigos,áudiosparaamigos.Tem
sido doceparamim ouvirasvozes.
Nuncagostei tantodos áudios.
Oprimeiropasso éter consciência
da força. Suaedeles.ValeverODile-
madasRedes,documentáriodaNet-
flix. Assusta, masdávontade delutar.
Nossos pequenos podemvivercom
seuscelulares no nariz, masprecisam
descobrirali olugar do afeto.

Vitórias mínimas


Esta quarentena tem nos dadoaoportunidade de entender
que podemos usaratecnologia deforma mais afetiva

N


“Temsidodocepara
mimouvirasvozes.
Nuncagostei
tantodosáudios”

DENISEFRAGAÉATRIZ, CASADACOMODIRETOR
LUIZ VILLAÇAEMÃE DE NINO,23ANOS,EPEDRO,21
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