Viaje Mais - Edição 190 (2017-03)

(Antfer) #1

(^98) VIAJEMAIS
NA BAGAGEM
As histórias vividas pela redação
Férias versus trabalho
POR NATÁLIA MANCZYK
T
entava esquecer da
fome quando en-
trei tarde da noite
para a última diária no
meu hostel de Yangon, a
maior cidade de Myan-
mar. Pedi um milkshake,
e com esforço desgastante
na mímica fiz questão de
que me mostrassem se o
leite era longa vida, se es-
tava sendo servido de uma
caixa fechada e há quanto
tempo estava na geladeira.
Tudo porque a opção
gastronômica lá perto
tinha sido um mercado
de comidas na rua, onde,
além de frango frito com
algumas moscas em cima,
a única coisa identificá-
vel foram os caramujos
cozidos vivos em uma
panela. Enquanto tomava
meu milkshake junto com
mais três mochileiros,
a recepcionista me en-
tregou uma carta com o
meu nome:
“Natália, seja bem-
-vinda à Belmond. Ama-
nhã cedo você embarca
no cruzeiro em Man-
dalay. Quando chegar
ao aeroporto rumo
a Mandalay, não se
preocupe com nada.
Nossos funcioná-
rios farão o check-
-in, lhe entregarão
a passagem e você
nem precisará mais ver a
sua mala. Como o voo par-
te cedo, recomendamos
que peça que o seu hotel
prepare um kit com um
café da manhã adiantado”,
dizia a carta aos turistas
que pagam o preço de
US$ 1.650 para três noi-
tes na embarcação. Eu lia
aquelas palavras no hos-
tel que me custou US$ 21
por três noites antes de
seguir para o meu quar-
to/cabine, onde cabia ou
a mala, ou a cama ou eu,
com o meu 1,53 cm de
altura. As noites seguin-
tes, entretanto, seriam
em uma suíte para dois
em que caberiam tran-
quilamente quatro, com
bebidas à vontade e, en-
fim, um bufê de comi-
das apetitosas.
O mesmo me acon-
teceu no Vietnã, nesse
período em que mes-
clei a viagem da Natália
em férias com a viagem
da Natália jornalista de
turismo, numa insana
transição entre duas rea-
lidades. No quarto do
hostel de Hoi An, colo-
quei um vestido longo,
fiquei na ponta dos pés
para fazer uma bonita
maquiagem em um es-
pelhinho de uns 10 cm
de diâmetro, torci
para que o salto alto
combinasse com
o vestido e corri
para o táxi, fugin-
do da fumaceira
do churrasco que o
pessoal fazia no tér-
reo do hostel. “Jun-
te-se a nós”, diziam
os hóspedes descalços
comendo espetinhos
com a mão. Recusei, por-
que o meu jantar seria
com o gerente do novo
Four Seasons da cidade,
em um restaurante com
vista para uma piscina de
borda infinita e o mar. Lá,
nada de palitos de chur-
rasco. A atendente veio
à minha mesa com uma
caixa com uns seis tipos
de hashis, para que eu
escolhesse o design que
mais me agradasse.
Depois do cheeseca-
ke de coco, os funcioná-
rios solicitaram um táxi,
que me deixou onde me
aguardavam a amiga bra-
sileira e o amigo espanhol
que viajavam há seis me-
ses pela Ásia com uma
mochila nas costas: era
um boteco vietnamita
com a cerveja mais barata
da cidade: uma garrafa de
600 ml valia o equivalente
a R$ 1. Ficamos por lá até
vir a chuva, no meio da
madrugada. Com o meu
vestido longo e o meu sal-
to alto, tentava caminhar
na escuridão pelas ruas
arenosas em direção ao
hostel, cuidando para não
enlamear o vestido. É que
ele tinha sido reservado
como o figurino para a
minha volta ao Brasil na
classe executiva da Emi-
rates Airline.

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