Adega - Edição 181 (2020-11)

(Antfer) #1

88 |^ Revista ADEGA -^ Ed.181


usado para proteger contra a
oxidação (já que flutuava na
superfície do vinho). Acredita-se
que tudo isso era usado não apenas
por uma questão de gosto ou para
“mascarar” a qualidade ruim da
bebida, mas por fins medicinais,
porque o álcool extrai melhor certos
componentes botânicos do que a
água.
Mesmo com o desenvolvimento
da agricultura, os vinhos
continuaram a ser mesclados,
especialmente com resinas, até
a Idade Média. Ou seja, durante
séculos, os sabores e aromas do
vinho certamente lembravam
muito mais um vermute. Com
certeza, não havia o “sabor do

terroir”, máxima tão decantada
atualmente. A explicação para o uso
das resinas não se deve somente ao
sabor, todavia, principalmente, à
conservação, dando ao vinho uma
maior resistência microbiana.

Açúcar na água
Além desse caráter certamente
herbáceo, os vinhos antigos, na
maioria das vezes, eram doces,
parcialmente devido ao pouco
controle sobre a fermentação (o açúcar
não era consumido integralmente
pelas leveduras), mas também por
uma predileção da humanidade em si
por sabores adocicados. Outro ponto
importante era o “serviço” do vinho. A
não ser os povos bárbaros – gauleses,

germânicos etc. –, o mundo civilizado
(gregos e romanos) raramente bebia
vinho “puro”. Era costume misturar
água. Na verdade, na maioria dos
casos podia-se dizer que era costume
misturar vinho na água, pois a maior
parte era de água. Por mais estranho
e herético que isso possa parecer para
um enófilo atualmente, esse hábito
perdurou até quase os nossos dias.
Como o vinho tendia a ser
bastante denso, turvo, quase como
um xarope, uma das formas de
torná-lo palatável era misturando-o
em água. E, durante muito tempo,
essa foi uma das maneiras de
“purificar” a água, fazendo com que
o álcool matasse os microrganismos
possivelmente causadores de
doenças. Durante séculos, o que era
considerado impuro era a água.
Pouco se sabe sobre o vinho
da Idade Média, mas acredita-se
que ele era consumido o mais
brevemente possível para evitar que
estragasse – pois ninguém sabia
como mantê-lo por muito tempo.
Durante muitos e muitos anos até
a era moderna, os vinhos eram
claretes leves – pois maceravam por
pouco tempo. A partir do século
XVII, contudo, surgiram os tintos
mais encorpados, criou-se o hábito
de amadurecê-los e envelhecê-
los. Isso graças a três fatores: a
adição de enxofre, a produção de
garrafas escuras e o uso da rolha de
cortiça como vedante. Além disso,
descobriram-se os benefícios da
fortificação (uso da aguardente
para cessar a fermentação) na
conservação (nasciam os Vinhos
do Porto, Madeira, Jerez, Marsala
etc.), além do método de segunda
fermentação em garrafa dos
espumantes.

A evolução dos clássicos
Produtores seculares muitas vezes
gostam de apontar a constância como
um de seus pilares, afirmando que,
mesmo diante das modas, seus vinhos
nunca mudam. Mas se pegarmos
registros de alguns vinhos clássicos

Durante séculos, vinho foi
quase sempre misturado
com água
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