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Nas entrelinhas


Banco Central do Brasil

Correio Braziliense/Nacional - Política
domingo, 22 de novembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: por Luiz Carlos Azedo [email protected]


O Zumbi de cada dia


No livro Escravidão, primeiro volume, de Laurentino
Gomes, Zumbi dos Palmares é descrito como um herói
em construção. Encurralado e morto no dia 20 de
novembro de 1695 pelo capitão André Furtado de
Mendonça, estava acompanhado de 20 guerreiros, dos
quais somente um foi capturado vivo; os demais lutaram
até a morte. "Decepada e salgada", a cabeça do líder
quilombola foi enviada para Recife, onde ficou exposta
no Pátio do Carmo. Em carta ao rei de Portugal, o
governador Mello e Castro registrou para a história a
origem do mito:


"Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no
lugar mais público desta praça, para satisfazer os
ofendidos e injustamente queixosos e atemorizar os
negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um
imortal, para que entendessem que esta empresa
acabava de todo com os Palmares".


Hoje, quase ninguém sabe quem foi o ex-governador de


Pernambuco Mello e Castro. Seu sobrenome é
associado ao engenheiro, escritor, artista plástico e
poeta experimentalista português Ernesto Manuel
Geraldes de Melo e Castro, que se radicou em São
Paulo, onde morreu em agosto passado. Zumbi, não; a
data de sua morte rivalizava com o Dia da Abolição, 13
de Maio de 1888, como marco da luta dos negros no
Brasil. O Treze de Maio foi feriado nacional durante toda
a República Velha; o 20 de novembro somente em 2011
foi oficializado como o Dia Nacional de Zumbi e da
Consciência Negra, mas é considerado feriado somente
no Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Pará e
Rondônia.

O conflito de datas não é trivial. Reflete uma disputa
ideológica entre aqueles que não admitem a existência
do racismo no Brasil, com o presidente Jair Bolsonaro --
"sou daltônico"-- e o vice-presidente da República, o
general Hamilton Mourão - "não existe"--, e os militantes
do movimento negro, que lutam contra o racismo
estrutural brasileiro, para os quais a Lei Áurea seria um
ato de fachada da aristocracia agrária e escravocrata. O
Brasil foi o último país do Ocidente a acabar com o
tráfico de escravos, em 1850, e com a escravidão, 38
anos depois. Não haveria o que comemorar no 13 de
maio porque os escravos libertos foram abandonados à
própria sorte, sendo substituídos por trabalhadores
imigrantes europeus nas lavouras, manufaturas e
comércio.

Os mitosEntretanto, uma biografia robusta de Zumbi,
segundo alguns historiadores, é uma tarefa impossível,
em razão da insuficiência de fontes primárias e da
multiplicidade de versões. Haveria três Zumbis míticos:

1) O Zumbi dos colonizadores. Palmares era apontado
como um núcleo de barbárie africana e ameaça à
civilização. Joaquim Manoel de Macedo, médico e
escritor, autor de A Moreninha e Memórias da Rua do
Ouvidor, em 1869, afirmava que os negros carregavam
"os vícios ignóbeis, a perversão, os ódios, os ferozes
instintos do escravocrata, inimigo natural e rancoroso do
seu senhor, os miasmas, a sífilis moral da escravidão
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