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Correio Braziliense/Nacional - Política
domingo, 22 de novembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
infeccionando a casa, a fazenda, a família dos
senhores, a sua raiva concentrada, mas sempre em
conspiração latente atentando contra a fortuna, a vida e
a honra de seus incônscios opressores". Essa visão
permanece subliminarmente na nossa sociedade.
O Zumbi revolucionário. Está associado "à autêntica
luta de classes que encheu séculos de nossa história" --
na visão do jornalista Astrojildo Pereira, fundador e
secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, no
jornal A Classe Operária, em 1929 --, cujo momento
"culminante de heroísmo e grandeza" fora a República
de Palmares, "tendo a sua frente a figura épica de
Zumbi, o nosso Spartaco negro". É uma visão
ideológica, que reproduz o determinismo marxista da
época na interpretação da história.
O Zumbi em construção. É o mito que nasce do
movimento abolicionista, que o elegeu como ícone da
resistência dos escravos, mas ganhou fôlego no século
XX, como ícone literário, consagrado nos livros de Joel
Rufino, Décio Freitas e Ivan Alves Filho na década de
1980, e reproduzido na pintura, no cinema, na música e
nos desfiles de escolas de samba. "É o Zumbi dos
oprimidos, herói das lutas pela liberdade, não só de
escravos e negros, mas também dos camponeses,
índios, trabalhadores, das minorias", segundo
Laurentino Gomes.
Existe um Zumbi para cada oprimido, até mesmo uma
versão de que o herói de Palmares seria um gay jaga,
do antropólogo baiano Luiz Mott. O mito renasce a cada
dia, não por causa dos historiadores, mas em razão da
existência objetiva do racismo. A exclusão, a injustiça
social e a violência física incidem mais contra os negros
do que contra outros segmentos da população,
independentemente do nível social. Há todo um debate
político sobre as agendas identitárias e a política de
cotas raciais, que agora chegou à distribuição de
recursos dos partidos na campanha eleitoral, e mesmo
uma polêmica sobre a reprodução de conceitos e
práticas do movimento negro norte-americano aqui no
Brasil, que não seriam compatíveis com a realidade de
um país miscigenado como nosso, capaz de "traduzir"
toda e qualquer identidade étnica do ponto de vista
cultural.
Entretanto, existe uma realidade social indelével, que
explode na nossa cara, principalmente quando a
exclusão, o preconceito e a violência contra os negros
atingem níveis absurdos. É o caso do assassinato de
João Alberto Silveira de Freitas, espancado até a morte
por dois seguranças de uma loja do Carrefour em Porto
Alegre. O crime ocorreu no mesmo dia da morte de
Zumbi dos Palmares, cujas comemorações se
transformaram em manifestações de protesto em todo o
país.Episódios como esse fazem o mito de Zumbi ser
mais forte a cada dia, ainda mais se levarmos em conta
que o herói de Palmares inspira uma nova elite artística
e intelectual negra, que lidera a tomada de consciência
sobre o racismo estrutural no Brasil, contra o qual lutou
com relativo êxito individual, mas que permanece à
espreita em cada esquina de suas vidas.
Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas