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Correio Braziliense/Nacional - Opinião
domingo, 22 de novembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Ana [email protected]


O assassinato de João Alberto Silveira Freitas,
espancado e asfixiado por dois seguranças brancos em
uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, no Dia da
Consciência Negra, não é surpreendente, não é fora do
comum, não é o primeiro caso chocante de massacre
de um negro e provavelmente não será o último -- ainda
que seja doloroso demais dizer isso. O Brasil, um país
que se tornou especializado em produzir tragédias
causadas por desigualdades de todo tipo, extermina a
população preta. E não é de hoje.


Tão grave quanto o histórico genocida é o
negacionismo. Negar o racismo estrutural é matar não
apenas corpos, mas a esperança de igualdade, de
liberdade, de dias melhores para todos os brasileiros. É
uma segunda morte e um segundo ataque às famílias
que ficam órfãs de crianças, adolescentes, jovens, pais
de família.


Além de um cinismo absurdo, existe uma lógica
perversa por trás da parcela da população que insiste
em declarar que o racismo não existe, que episódios


como o homicídio de João Alberto são pontuais e
"lamentáveis". O discurso é covarde e desrespeitoso. A
fala reflete ignorância e gera omissão. Mas não é
apenas isso.

Dizer que não existe racismo é dizer com todas as letras
que é para deixar tudo como está, assim mesmo. Um
Brasil onde uma elite machista, racista e branca tenha
todos os privilégios. Um Brasil ainda escravagista,
partidário de um fingimento coletivo que nos define
como "democracia racial". Não. Nós somos o que
somos: profundamente preconceituosos. Tanto que
muitos, talvez, de fato, não percebam. A maioria, no
entanto, prefere fingir.

Ainda discutimos políticas de cotas como se não fossem
necessárias para promover justiça e inclusão. Ainda
ignoramos que mulheres negras são a parcela mais
vulnerável da sociedade. Que jovens pretos são os mais
assassinados e os mais encarcerados. Que as
estatísticas nunca deixaram de exibir todas as
desigualdades no mercado de trabalho, nas escolas, no
nível de renda.

Quem nega, repito, mata de novo. Mata a memória de
quem foi barbaramente assassinado. Mata a confiança
de que a justiça será feita. Mata a reflexão que poderia
levar à mudança após um caso tão emblemático como
este. Mata a esperança de igualdade. E mata a si
próprio, negando-se o direito de ser um ser humano
melhor, que está aqui para evoluir.

Vejo, contudo, avanço. Vejo manifestações necessárias.
Vejo cada vez mais espaço preenchido com o grito das
pessoas pretas. Este é o eco que pode reverberar
mudança. Ela está acontecendo aos pouquinhos, a
despeito do querer branco e privilegiado. Convido você
a ampliar esse espaço. Dê a voz, dê a vez. Reconheça,
ouça, leia, estude e seja novamente alfabetizado, desta
vez pelas vozes pretas.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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