Clipping Banco Central (2020-11-22)

(Antfer) #1
Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Mercado
domingo, 22 de novembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

pensam que sou músico, artista, ou gringo. Sou dono de
tuna agência que, embora pequena, tem posição
relevante no mercado e me garante tuna
respeitabilidade que pessoas negras normalmente não
têm no Brasil. E muita gente ainda tem dificuldade ao
ver uma pessoa como eu nesse lugar.


Acha que a sociedade brasileira está mais consciente
do problema? Os movimentos negros têm feito um
trabalho incrível para estimular o debate, mas ele é
longo e difícil. No Brasil, investiu-se por muito tempo na
ideia de que o país não era racista, e isso alimentou
uma ignorância gigantesca sobre as questões raciais.


Nossas empresas foram construídas num ambiente em
que para muita gente o racismo simplesmente não
existia. A inexistência de pessoas negras nesses
espaços não era vista como um problema. Essa
normalização é a maior violência do racismo no Brasil.


Agora estamos numa etapa de conscientização das
pessoas e das instituições sobre o racismo na
sociedade que construímos e as estruturas que
alimentam as nossas desigualdades. Nesse aspecto,
todo mundo, inclusive as empresas, ainda está se
alfabetizando.


Há movimentos ativos, pessoas se articulando nas
redes sociais e tudo mais. Mas ainda estamos longe de
uma mobilização com força para influir de forma
decisiva nas instituições e nas políticas públicas.


O que acha dos esforços que as empresas têm feito?
As marcas olham muito o que acontece lá fora e partem
daí. Percebem que é impossível ficar alheio ao racismo
e sabem que precisam fazer algo, mas ainda são
iletradas. Fazem o que podem, com a perspectiva de
quem nunca pensou que isso fosse um problema.


Todas as iniciativas nessa direção devem ser louvadas,
mas elas têm que ser compreendidas como algo
incipiente e cobradas por isso. É importante ter mais
negros nos comerciais, programas de trainees para
negros e tudo mais, mas o objetivo maior deve ser
outro.


A grande transformação terá ocorrido quando a
presença dos nossos corpos nesses espaços não for
mais notada como algo excepcional, ou como um
problema a ser administrado, mas como algo normal. As
empresas precisam adotar posturas radicais para
alcançar esse objetivo.

Políticas afirmativas na educação e no mercado de
trabalho podem contribuir? Sim. O pior do nosso
racismo não está no sujeito que xinga tuna pessoa
negra na rua, mas na estrutura invisível que a impede
de entrar nos lugares em que hoje os brancos são
maioria. Basta olhar o perfil das universidades
preferidas no recrutamento das empresas. Só tem
branco nessas escolas.

E não basta incluir pessoas negras nesses ambientes. É
preciso que elas se apoderem dos recursos disponíveis,
se apropriem desses lugares e criem novas relações a
partir de sua perspectiva. Só assim conseguiremos viver
numa sociedade melhor.

Ian Black, 42 Fundador e principal executivo da agência
de publicidade New Vegas, criada em 2011. Abandonou
quatro faculdades diferentes antes de concluir o
primeiro semestre e começou na propaganda em 2007.
Deixou de usar o nome de batismo, José Câmara,
quando trabalhava numa empresa de telemarketing em
que havia um homônimo.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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