Clipping Banco Central (2020-11-22)

(Antfer) #1

Um clamor pelo combate ao racismo


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Opinião
domingo, 22 de novembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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O assassinato brutal de João Alberto Silveira Freitas -
negro, 40 anos, espancado até a morte por dois
seguranças brancos no chão de um supermercado de
Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra -
é tragédia recorrente no Brasil. Negros são alvo
preferencial da violência de seguranças e policiais. Só
entre casos recentes registrados em supermercados,
um jovem negro foi sufocado na Barra da Tijuca, outro
torturado em São Paulo.


A exemplo do americano George Floyd, garroteado e
morto por um policial em Minneapolis enquanto gritava
não poder respirar, João Alberto se tomou um mártir
instantâneo na luta pela igualdade racial. As imagens
que circularam pelas redes sociais despertaram uma
onda de manifestações contra o racismo, algumas
violentas. Todo vandalismo deve ser condenado - mais
violência jamais é uma resposta aceitável contra a
violência. Mas os protestos não são gratuitos. Tragédias
como a de João Alberto deveríam despertar o país da
letargia para um exame de consciência.


Diante do episódio, porém, o vice presidente Hamilton
Mourão declarou que "não existe racismo no Brasil".


Ambos os autores do crime foram presos sob a
acusação de homicídio qualificado, mas a delegada
responsável e a chefe da Polícia Civil gaúcha
informaram que ainda não era possível saber se a
motivação do crime era racista. Sim, é preciso mesmo
investigar. Mas criar dúvidas sobre os motivos ou
discorrer sobre as características singulares das
relações raciais no Brasil são apenas espantalhos para
evitar encarar o problema real que acomete a sociedade
brasileira há séculos.

Os fatos são eloquentes. Aqueles que se identificam
como "pretos" ou "pardos" formam 56% da população
brasileira, mas representam 64,4% dos 12,7 milhões de
desempregados, 63,8% dos que não têm instrução
fundamental, 75,4% dos analfabetos e 74,8% dos que
vivem em pobreza extrema. Negros são apenas 34,6 %
dos que concluíram a faculdade, 29,9% dos que
ocupam cargos de gerência e 11,9% dos que exercem
postos de comando nas empresas. Em contrapartida,
são 66,7% dos presos nas cadeias, 74,4% dos que
morrem assassinados e 79,2% das vítimas de
intervenções policiais.

Quando se usa a expressão "racismo estrutural", é
dessa realidade desigual, cruel e persistente que se
quer falar. E nesse contexto que se produzem crimes
como o assassinato de João Alberto. Os números
mostram que, se ele fosse branco, a probabilidade de
ter sido vítima da barbárie seria incomensuravelmente
menor. Não há como separar a motivação individual dos
dois seguranças que mataram João Alberto do contexto
de vigilância, perseguição, medo e violência a que os
negros são submetidos cotidianamente no Brasil.

Tão escandalosa quanto a tragédia, portanto, é a atitude
que mistura ignorância dos fatos ao negacionismo sobre
a realidade brasileira, também ele uma forma de
racismo disfarçado. E uma tentativa de varrer o
problema para baixo do tapete, de fingir que ele não
existe - quando, na verdade, está evidente nos fatos. Ou
qual outro fator, além do racismo, seria responsável
pela disparidade absurda no modo como a sociedade
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