O Pais [2019-02-08]

(claudioch) #1

O PAÍS Sexta-feira, 08 de Fevereiro de 2019 21


equações de corresponsabilida-
de. Devemos apresentar cenários à
população para que ela possa con-
tribuir e avaliar, e se ela entende
como um caminho desejável, to -
dos se empenharão para que aqui-
loque foi apresentado setorneuma
realidade. O sector público e aso-
ciedade podem, juntos, trabalhar
para as soluções de diferentes pro-
blemas.

As grandes cidades do mundo são
cada vez mais tecnológicas, em
busca de uma urbanidade mais
inteligente. A realidade angola-
na e africana, em geral, está longe
disso. As soluções de urbanidade
passam necessariamente pelo uso
de tecnologias modernas?

Tecnologia é importante, mas de-
ve ser um acessório. Fundamen-
tal é o Conceito de Ocupação, é o
Desenho da Cidade. Um desenho
de crescimento que vise integrar
a população, criar um sentido de
pertença, um desenho que busque
garantir qualidade de vida nas ci-
dades, menos necessidade de des-
locamentos, mais acesso às de-
mandas diárias da população, Vi-
da e Trabalho juntos.

Conhecendo Luanda (em Angola)
e São Paulo (no Brasil), o que é que
uma poderia aprender com a ou-
tra? Que troca de experiências o
senhor faria entre as dúas?
As duas cidades ainda têm muito
a fazer mesmo nas questões bási-

cas - moradia, transporte, sane-
amento. Mas, também, são polos
econôrnicos muito dinâmicos que
podem oferecer muito às suas po-
pulações. Tendo trabalhado com a
cidade de São Paulo, diria que ela
tem muito a ensinar sobre o papel
da iniciativa privada, que é muito
dinâmica e actuante no papel que
lhe cabe. E Luanda tem muito a
ensinar sobre a actuação do poder
público na requalificação urbana,
na rapidez das decisões e na velo-
cidade das intervenções; ao con-
trário do Brasil, onde a burocracia
e as indecisões travamo desenvol-
vimento urbano.

Além de Luanda, osenhorfoicha-
mado também a intervir na urba-

nidade do município de Vtana. O
queéqueestáp~o?
Viana tem muito a contribuir pa-
ra a metrópole de Luanda. Viana é
parte de um território que se dina-
miza todos os dias e para lá estão
reservados alguns elementos fun-
damentais para a qualidade de vi-
da da metrópole, logística, abas-
tecimento de água, polos indus-
triais, entre outros.

Por outras cidades de Angola há
os projectos da Kora, que levam a
assinaturadeJaimeLemer. Pode-
se dizer que esses trabalhos são o
mais próximo possfvel do que so-
cialmente se espera de um espa-
çourbano?
Os trabalhos que fizemos na ela-
boração das Comunidades Urba-
nas foram carregados de diver-
sos conceitos que desenvolvemos
ao longo das nossas experiências.
As localidades foram implantadas
a partir de uma leitura particular
do território para dali buscar refe-
rências que pudessem contribuir
para o desenho do lugar. Foram
inseridas diferentes tipologias de
arquitectura, espaços de comér-
cio, de serviços como educação e
saúde; foram previstos e reserva-
dos terrenos para outras activida-
des comerciais e de serviços ge-
radoras de renda, atividades cul-
turais e de lazer, sempre visando


  • trabalho e moradia juntos.


Tem-se mostrado não ser a favor
do separatismo urbano por ren-
daou por classe. Então como é que
vê a implantação de bairros para
pessoas de renda baixa e a cons-
trução de condomínios fechados
que servem para pessoas mais
abastadas?
Continuo -sendo contra a criação
de guetos, tanto para ricos., como
para pobres. Isso é a anti - cidade. A.
cidade é o lugar da troca, é o lugar
do conviver dos diferentes, é nes-
se encontro que ocorrem as maio-
res sinergias. Defendo a cidade
dos serviços e espaços públicos de
qualidade, do convívio pleno e da
cultura como "pertencimento" de
umlugar. Umacidademaisdiver-
sa socialmente e integrada é cer-
tamente mais humana.

Um dos grandes problemas que os
países em desenvolvimento en-
frentam está ligado à capacitação
e valorização dos seus quadros.
Além de dar corpo aos seus pro-
jectos de urbanismo ~ arquitec-
tura, o senhor tem acções no sen-
tido da qualificação de profissio-
nais locais?
O fazer acontecer já é criar uma
oportunidade de qualificação dos

profissionais locais, é um começo,
mesmo sabendo que isso não bas-
te, aprender é sempre necessário.

Quaisforamasdificuldadesefaci...,
lidades, sejam das instâncias pú-
blicasoudasprivadas, queencon-
trouemAngolaparaaimplemen-
tação dos seus projectos?
Encontramos profissionais quali-.
ficados por todas as instâncias que
passamos, sempre pessoas enga-
jadas nas causas urbanas.

Qual dever ser o papel dos gover-
nos e das políticas públicas para
promover mais urbanidade entre
os moradores?
Sempre que os gestores urbanos
contribuírem para a qualidade de
vida nas cidades, promoverem o
encontro das pessoas de forma que
as diferentes trocas possam ocor-
rercomnaturalidade, acidadania .....
estará presente. Usufruir da co-
lectividade é parte da vida urbana.

Além dos conceitos propriamen-
te ditos da condição de ser urba-
no, a urbanidade é entendida co-
mocivilidade,p~ndouma
convivênciasaudávelentreosha-
bitantes do espaço urbano. Mas o
facto é que a urbanização tem sido
acompanhadademuitosactossel-
vagens. Isso não deixa subenten-
~
didoum preconceitodequerura-
lidadesejasinônimodefaltadeci-
vilidade?
Seja no campo ou na cidade, o que
posso dizer sobre isso, a partir da
minha experiência como gestor, é
que sempre que oferecemos equi-
pamentos e serviços urbanos de
qualidade, a população reconhe-
ce, valoriza e respeita.

AcompanhouocasodaBuildBra-
sil que depois virou Build Angola


  • em que o Pelé foi o garoto pro-
    paganda, que acabou se consu-
    mando como uma grande burla
    de empresários brasileiros. Que
    repercussão teve esse caso no seio
    da vossa classe de profissionais?
    Creio que, se podemos tirar uma
    lição de tudo isso, é a necessidade
    de um aperfeiçoamento constante
    e transparente nas relações entre
    o poder público e grandes agentes
    económicos, avançando em prá-
    ticas de compliance que no médio
    prazo beneficiarão a sociedade no
    seu todo.


Para terminar, há uma· palavra a
dizer aos luandenses?
No pouco convívio que tive com
os luandenses, vi uma sociedade
gentil, alegre, esperançosa. Que
esses atributos humanos acompa-
nhem essa cidade por toda a vida.
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